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As vivências no arrabalde

Lúcio Packter
Pensador da Filosofia Clínica


Partes significativas da existência ocorrem por elementos laterais, percorrem vários itens periféricos, são tangenciais aos aspectos decisivos. Assim, estabelecem seus caracteres nas imediações das ações centrais.

Muitas vezes isso ocorre quando o caminho para ser economista acaba em técnico em contabilidade, o desejo de morar nas enseadas da praia avança até um condomínio próximo ao mar, o trabalho para ser médico termina na enfermagem.

Ocorre que aos poucos tais fatores laterais podem assumir as funções e a pertinência do que se constitui o cerne da vivência, invertendo os vetores. É assim, por exemplo, que ao se casar com a amiga da mulher que Antonio amava ele encontrou “a mulher maravilhosa” de sua vida.

De diversas maneiras, vivências que acontecem nos arrabaldes são decisivas pelo que se tornam depois, mas também pelo que são e pelos desdobramentos que propiciam. Um exemplo marcante é o papel que o coro desempenha na tragédia de Eurípedes, desde a encenação, a indumentária.

Em vários lugares na malha intelectiva, na intimidade, algumas pessoas descobriram os caminhos indiretos das vivências que ocorrem nos arredores, naqueles caminhos existenciais que são curvos. Ali vivem à margem os processos de vida que para elas às vezes ocupam o centro dos temas.

Pela historicidade da pessoa podemos freqüentemente chegar aos procedimentos que levaram a isso, mas a fluência da vida pode dissolver tudo em um campo somente tornada indistinta a questão.

Não é raro que o assunto deixe de fazer diferença e deixe perder a importância, ainda que se mostre em toda a sua pujança em algumas pessoas. Uma senhora a quem atendi há anos, Aldemanda costumava falar de um tema quando em verdade se referia a outro; tratava da colheita de arroz para contar de sua tristeza e mencionava o plantio para exemplificar suas alegrias.

Nestes aparentes desencontros é que muita gente acaba se encontrando.

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