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INCURSÃO REFLEXIVA SOBRE FILOSOFIA

Prof. Dr. Osvaldo Dalbério
Especialista em Filosofia Clínica
Prof. da Faculdade de Medicina
Uberaba/MG




O que é Filosofia?

Esta é uma pergunta bastante problemática tendo em vista que ao longo da história humana, vários pensadores registraram suas idéias a respeito dela. Não se pretende apresentar mais uma definição ou conceituação sobre a filosofia. Um exemplo poderia nos ajudar a expressar o que estamos entendendo por filosofia.

Uma árvore, um eucalipto, alto, bonito, atrai a si, todos os olhares. Essa percepção é efetivada ao nível do primeiro olhar. Enquanto a maioria das pessoas o percebe de forma ingênua e simploria, o artista plástico o vê como inspiração para uma bela obra de arte; outros, os poetas, o percebe como fonte poética. Poetizam as dimensões espirituais que o envolvem, revelando os sentimentos despertados no contato com tal objeto. Outros ainda, os cientistas, estudam os elementos químicos e biológicos que naturalmente estão presentes na terra, na água, no ar, no sol e, principalmente, na árvore...

Uma pessoa mais curiosa, no caso o filósofo, tentaria ir além desses fatos observados. Entraria com interrogações sobre a essência, a existência, e, não simplesmente sobre a aparência. Tentaria perceber a vida que aí está, sua imersão entre as outras vidas coexistindo juntas. Perguntaria prioritariamente, qual a principal diferença entre essa árvore e um ser humano, ou outro ser qualquer? Em outras palavras, tentaria perceber a sombra da sombra, a vida da vida. Buscaria a profundidade das raízes; não se contentaria apenas, com uma descoberta superficial. Depois de sanadas as dúvidas, resta ainda a essencial que está, pode-se dizer, a cargo, em maior profundidade, do filósofo: por quê ?

Não se quer dizer com isso, que o filósofo é apenas e tão somente o homem dos porquês. Com isto, queremos colocá-lo na dimensão da busca da revelação do ser. Essa revelação consiste em desvendar, ou tentar colocar às claras, o que no comum dos mortais não é percebido. Essa tarefa é árdua porque carrega consigo uma história, um passado, as influências do meio onde viveu, onde vive. Claro, para se chegar ao verdadeiro revelar, deve-se necessariamente saber contemplar os aspectos externos. Partindo daí poderá, com facilidade, encontrar o que se procura. Esse contemplar está carregado de fontes poéticas. Está repleto de sonho, de desejo, de poesia.... Entretanto, o papel do filósofo é ultrapassar o aparente e entrar numa outra dimensão a dimensão da racionalidade manifesta através da linguagem especificamente reveladora do real. Ou seja, quanto mais próxima for a linguagem (os símbolos) do real mais verdadeira será a revelação, o desvelar.

Em primeiro lugar, a preocupação básica do filósofo com o porquê é necessária visto que algo lhe tenha despertado interesse. No caso do eucalipto, chamou-lhe a atenção, e por isso foram-lhe proporcionadas condições para uma reflexão mais profunda. O homem da investigação pode entrar nas dimensões do estar-aí e descobrir o ser-aí. Esta é a tarefa de quem se propõe a pensar.

Várias pessoas vêem o mesmo objeto de forma diferenciada. Pode-se chamar tal objeto de fenômeno. Os pontos de vista são os mais diversos, assim como as formas de dizer sobre o fenômeno. Cada observador, portanto, traz consigo a maneira própria de perceber e de falar sobre a sua experiência sensorial.

Um pesquisador certamente rasgará uma parte do fenômeno, ou seja, arrancará um pedaço da árvore para, dentro de um laboratório, estudar os elementos naturais e químicos que o constituem como árvore. Também descobrirá a utilidade e as proporções de manuseio humano. Em outras palavras, estudará a quantidade de material que poderá ser utilizado no fabrico de produtos que venham atender às necessidades humanas. É a visualização da “materialização” do fenômeno.

Um poeta verá um todo completo de dinamismo, encarnado em todas as outras vidas aí presentes. Contemplará as dimensões da vida. Buscará com palavras, explicar e revelar o mundo, o fenômeno, enquanto gerador de beleza. A sua observação baseará na expressão de vida, no aflorar de possibilidades dentro dos paradigmas da verdadeira vida. Também tentará colocar sua maneira subjetiva de ver e de sentir a realidade que lhe é envolvente. No caso, será transportado para a árvore o seu ser, a sua vida, o seu íntimo, seu sentimento, seus desejos, seus afagos com o viver. O poeta é aquele que ouve a voz espiritual que está imersa no fenômeno vida. Seu trabalho é expressá-lo através da sua linguagem.

Um artista plástico tentará buscar as dimensões estéticas, colocará aspectos às vezes, não captados aos/pelos olhos leigos. Expressará na tela o hálito existencial, o élan do estar aí, a vida contida no fenômeno. Na maioria das vezes, na pintura, a realidade apresenta-se mais viva do que a própria realidade copiada. Ao exercer tal trabalho, o artista plástico está também, como o poeta, colocando seu sentimento, sua maneira de ver e viver a realidade e na realidade. Cada trabalho de pintura carrega a marca específica do próprio autor. É importante, nessa altura, discutir sobre a sociedade onde essas personagens vivem.

O homem incorpora em si normas morais, éticas, políticas, religiosas, enfim, sua educação está eivada de um emaranhado de caracterizações sociais. Por isso, os seus atos, mesmo os mais simples, são, de certa forma, influenciados pelo convívio social. Percebe-se que partindo de coisas ou ações externas à subjetividade, o seu modo de ver e viver o mundo vai-se modelando, se amoldando de tal maneira que já não se pode dizer, “esse ato é estritamente pessoal e inconfundível, não contém influência de ninguém”. Pois, até mesmo a maneira de expressar os sentimentos, tal como o choro, o riso dentre outros, pode ser influenciado socialmente. Por exemplo, quando alguém muito íntimo morre, choramos em lugar de rirmos? Ou quando alguém conta um piada, não choramos em lugar de rirmos?

É importante destacar que o ser humano é dotado de uma flexibilidade portanto capacidade de adaptação às circunstâncias existenciais. Tal adaptação se dá tanto no nível de sentimento, quanto no de pensamento. Significa que ele quase sempre é arrancado do estado natural onde predomina a percepção do mundo através dos órgãos dos sentidos e é jogado na circunstância criada pela razão.

Voltando ao exemplo da árvore podemos com esses elementos já mencionados, aprofundar um pouco mais nossa reflexão.

A árvore pode ser analogamente colocada em confronto com o homem. Ambos possuidores de vida, estão inseridos em um parâmetro existencial determinado. A árvore será tão bonita quanto mais o terreno for propício ao seu desabrochar. O homem será tanto mais artista, poeta, filósofo, humano, quanto mais o ambiente social o proporcionar. Se, por ventura, a árvore fosse abafada pelas outras, impossibilitando-lhe o crescimento, consequentemente não sobreviveria, ou ainda, não passaria de uma altura “X” a uma condição “Y”. Semelhantemente acontece com o ser humano. Suas infinitas capacidades sendo abafadas, suas potencialidades de hominização não seriam afloradas, assim assumiria apenas a condição de existente. Isto seria um despropósito à condição humana que necessariamente deve ultrapassar esse limite e ir na direção da racionalidade, pois é ela que faz o homem ser cada vez mais humano.

Tanto a árvore quanto o homem crescem. Embora com uma pequena diferença de forma. A árvore cresce para fora, ou seja, coloca para o exterior toda sua beleza, sua simplicidade, sua vida; enquanto o homem para ser verdadeiramente homem cresce para e por dentro, ou seja, procura no seu mais íntimo vale existencial, da subjetividade o seu-eu. Desvenda seus limites humanos comunicando-os aos outros mediante o uso dos símbolos, organizando a linguagem que é a forma mais verdadeira de humanização. Assim, ao descobrir o seu mundo interno tenta a todo custo jogá-lo para fora; daí aparecem os fenômenos - música, poesia, pintura, que nada mais são que uma forma de revelar os fragmentos do social incutido no seu íntimo.

Pelo que parece é hora de dizer o que significa filosofia. Então, se o filósofo é o homem que busca evidenciar os porquês, a filosofia é assim a ação desse filósofo. Quando ele busca as raízes das questões, tentando revelar o que nem sempre é observado, coloca às claras as implicações ideológicas inseridas nas construções pessoais e coletivas de sentido de vida e de existência.

Portanto, o papel do filósofo é manifestar o real de maneira clara e precisa afim de que os outros homens possam ter clareza para dar sentido à sua existência e resolver grande parte de seus problemas pessoais. Assim, assume um papel também importante na ação que impulsiona o desvendar dos enigmas existenciais e não fica apenas na concretude fenomênica. Sendo assim o papel do filósofo assume as dimensões humanas de observar, refletir, pensar, sistematizar e mais que isso, desvelar o que está encoberto pela ideologia ou pelas ideologias.

Apesar de o homem ter essa capacidade de percepção particular, existe ainda um mundo para ser descoberto cujo desafio inicia-se quando o homem se vê no espelho e se pergunta: “isso que vejo é minha imagem verdadeira ou é a imagem que os outros(a sociedade) fizeram de mim?” Ou quando ele se interroga: “as pessoas, os objetos são aquilo que se me aparecem?” Ou ainda: “será que as pessoas que vejo, são realmente aquilo que se me apresentam?”

O desafio está posto e necessita de ser desvencilhado pelo homem em se tornando humano e hominizando o outro homem.

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