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Filosofia Clínica e Humanismo

Prof. Dr. José Mauricio de Carvalho

Chefe do Departamento de Filosofia da UFSJ



Resumo: Neste trabalho examinamos em que sentido a Filosofia Clínica pode ser considerada humanista, mostrando o que caracteriza suas concepções sobre o limite e interesse do homem.

Palavras-Chave: Humanismo – Fenomenologia – Liberdade.

Résumé: Dans ce travail, nous examinons dans quel signification la Philosophie Clinique peut être juger humaniste, ayant montré le que caracterize leurs conceptions sur le limite et intérêt de l´homme.

Mots Clés: Humanisme – Phénomènologie – Liberté.



I. Considerações iniciais

Recentemente publicado, o livro Filosofia Clínica, a filosofia no hospital e no consultório (2008) de Lúcio Packter vem precedido de palavras iniciais assinadas por Dayde Packter Zavarize. No texto ela afirma que a Filosofia Clínica é um humanismo. Por que faz tal afirmação? Ela justifica a assertiva dizendo que a Filosofia Clínica é humanista porque não rotula as pessoas com um estigma negativo. Outro motivo que ela aponta é que o filósofo clínico entende cada ser humano como um mundo singular, respeitando-o assim. Nas suas palavras a questão assim se expressa: “cada pessoa tem na clínica filosófica o seu modo de ser no mundo” (p. 7). Dayde Packter Zavarize nos coloca, portanto, o problema de entender se a filosofia clínica é realmente humanista e, se for, de explicitar suas características.

Para tratar o assunto vamos primeiramente indicar quais os sentidos mais comuns atribuídos ao humanismo e, em seguida, discutir a hipótese levantada por Dayde Packter Zavarize. Terminamos o trabalho com considerações finais a título de conclusão.



II. O humanismo como problema

No seu Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano afirma que humanismo tem usualmente dois significados distintos (1962): “1. o movimento literário e filosófico que teve suas origens na Itália e na segunda metade do século XIV difundiu-se pela Europa (...) e 2. qualquer movimento filosófico que tenha como fundamento a matéria humana ou os limites e interesses do homem” (p. 493). O primeiro significado refere-se à redescoberta da cultura grego-romana durante o Renascimento, depois de muitos séculos de um ambiente cultural marcado pelos dogmas religiosos e poder da Igreja Romana. Neste sentido, humanismo é o movimento historicamente situado entre os séculos XIV e XVII que foi caracterizado pelo florescimento das Artes, Literatura, Filosofia, Ciência moderna e aparecimento dos Estados Nacionais. Este movimento teve seguimento no iluminismo do século XVIII, mas então com outros aspectos e implicações.

O segundo significado destacado por Abbagnano diz ser humanista qualquer teoria que atribui ao homem algo de singular ou especial em relação aos demais seres. Em nosso tempo muitas escolas de pensamento assim procedem. Assim, o significado de humanismo presente na Filosofia Clínica mencionado por Zavarize só pode ser este último, ficando por se esclarecer, se a hipótese for aceitável, quais os limites e interesses singulares que a clínica filosófica reconhece.

Embora a referência inicial deste humanismo seja Protágoras, que Lúcio Packter lembra no início do livro, só o é pela releitura contemporânea feita pela fenomenologia existencial através de autores como Karl Jaspers e Martin Heidegger para os quais o homem é a origem e o limite do discurso sobre o problema da existência. Em um sentido próximo ao dos filósofos alemães mencionados, Jean Paul Sartre no ensaio O existencialismo é um humanismo (1987) aceitou, durante certo tempo, a qualificação de humanista para sua filosofia da existência. No entanto, tanto quanto Jaspers entendeu que é necessário explicar adequadamente o que se entende por humanismo (cf. p. 24).

O segundo significado de humanismo mencionado por Abbagnano acaba se aplicando, em nosso tempo, a diversas teorias que em geral confiam que o homem possa construir, por seus próprios meios, um sentido para sua vida. Trata-se de uma forma de pensar que coloca o homem no centro da reflexão. O humanismo contemporâneo entende também que o homem situa-se historicamente numa cultura, que é o maior valor entre os muitos que existem, entende que ele é capaz de criar normas morais válidas de convivência, que é livre para seguir ou não qualquer crença, que tem na ciência moderna o instrumento de conhecimento do mundo natural, que consegue combinar a procura de uma vida feliz com as exigências da sociedade em que vive. Como se vê, mesmo tomadas em conjunto, são referências muito gerais sobre a vida humana.

Humanismo, na avaliação de Karl Jaspers, significa tratar “cada homem como uma infinitude. Nenhuma concepção científica pode abarcar-lhe em sua totalidade. O homem sempre é mais do que conhece” (p. 109), disse-o em Renovación de la Universidad. Este entendimento explicita-se mais tarde do seguinte modo (1987): “o homem é acessível a si próprio numa dupla mentalidade: enquanto objeto de investigação e enquanto existência de uma liberdade inacessível a qualquer estudo” (p. 59).

Temos, nas palavras de Jaspers, um humanismo de inspiração fenomenológica, a proposta de um homem que é único porque se faz assim. Entendido e estudado como objeto preserva sempre um espaço de liberdade e não pode ser classificado por categorias científicas quando olhado na sua liberdade. O humanismo concebido por Jaspers igualmente pensa os limites do homem, as exigências absolutas de sua vida, respeito a suas crenças, inserção no destino do grupo em que vive e muito mais. Todos estes aspectos fazem parte de sua filosofia da existência.

No filme As invasões bárbaras, o diretor Denys Arcand mostra como o humanismo é apresentado ao grande público. Qual é a história do filme? Ele conta a vida do Professor Rémy Girard que em seu trabalho sempre esteve às voltas com diferentes ideologias como o feminismo, anticolonialismo e o maoísmo. Na velhice o professor está com um câncer terminal. Apesar dos conflitos que teve com seu filho quando ele era jovem, estabeleceu sólidas relações familiares. Na velhice de Rémy, ele e o filho se reconciliaram.

O filho enriquecido com aplicações na bolsa de valores oferece ao pai o conforto que o dinheiro pode comprar naquele momento difícil para ambos. Á volta do professor se cria uma rede de conforto e solidariedade. A vida de Rémy termina com uma injeção de heroína quando nada mais resta a fazer. O filme explora todas as relações entre Rémy e as pessoas a sua volta: filho, nora, enfermeira e sua mulher, retratando o mundo de uma pessoa diante da morte. Os cuidados crescem quanto mais sua vida se arruína.

O filme explora as relações de amizade, respeito, aceitação dos limites, atitudes que marcam os personagens. O filme também mostra como as pessoas entram no mundo do professor, discute a importância de respeitar o outro homem em especial nas ocasiões em que ele enfrenta seus limites. Nestas horas são importantes: o carinho e o esforço de todos. Há algo de humanista nestas atitudes, sugere o filme, o sofrimento aproximou as pessoas.

O filme realça o valor do respeito ao homem que sofre e todos sofrem em algum momento. Este início de milênio é um tempo de mudanças políticas, de acentuada violência urbana, de terrorismo religioso, mudanças nas relações familiares, agudas contradições, aceleradas transformações tecnológicas, entre muitas outras mudanças profundas. Nele se dá pouca atenção aos interesses e dores típicas do homem.

O filme de Denys Arcand chama atenção para o respeito ao indivíduo, como o fez Dayde Packter Zavarize nas palavras de abertura do livro de Lúcio Packter. Eis como o filósofo português Delfim Santos refere-se a esta atitude de carinho e atenção diante do sofrimento num tempo que dá pouca atenção aos limites do homem (1982): “Neste sentimento de insegurança, em que se tornou a atmosfera do homem de hoje, não deixa de ter interesse conhecer as forças invocadas e os apelos do homem na busca de qualquer coisa que o suspenda, o segure e o salve” (p. 497).



III. Características do humanismo da Filosofia Clínica

Entendemos que a hipótese de Dayde Packter Zavarize é pertinente e que há um humanismo na Filosofia Clínica. A hipótese se justifica por que a teoria atribui características específicas à condição humana que orientam a prática clínica. São estas características que indicaremos abaixo.

Comecemos pelo reconhecimento de que cada pessoa é única porque está no mundo de modo diferente de todas as outras. A primeira característica deste humanismo é que o homem é singular. E por que o é? Por que ele é livre, embora sua liberdade seja exercida numa circunstância. A vida como possibilidade aparece na clínica de modo específico. A Filosofia Clínica entende que a singularidade das pessoas nasce pela forma como ela se insere no mundo, pelo modo como organizou sua estrutura de pensamento e passou a lidar com seus problemas.

Esta diferença entre as pessoas é percebida inicialmente nos exames categoriais, diz Lúcio Packter (2008): “Através dos exames categoriais o filósofo saberá o idioma da pessoa, seus hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde viveu, a geografia, o contexto religioso e histórico, entre outros que podem ter importância” (p. 22). Localização existencial é, pois, a aplicação clínica da grande descoberta fenomenológica o homem é uma subjetividade (ou individualidade) situada, isto é, “o homem concebido como existente, não se separa do mundo.

Não é possível tratar o homem e o mundo, ou o velho problema da realidade, separando um do outro” (Carvalho, 2007. p. 16). A localização existencial é a forma da Filosofia Clínica reconhecer que cada homem é uma subjetividade inserida num certo contexto, que ele é membro de uma cultura. Não se pode entender, na Filosofia Clínica, o que o homem é sem considerar a forma singular como ele se insere neste contexto.

Outro aspecto deste humanismo é que o homem não só vive numa circunstância bem definida e histórica, mas que ele próprio é histórico. Histórico significa que apesar de condicionado pelo passado, ele pode mudar o futuro por conta de sua liberdade. Mesmo quando a pessoa não tem consciência do quanto importante é seu passado, o filósofo clínico deve fazer, afirma Lúcio Packter (2008): “o histórico completo da pessoa” (p. 27).

A Filosofia Clínica não diz que o homem é só história, mas que esta condição é fundamental reveladora das estruturas de pensamento e submodos que ele utiliza para resolver seus problemas. O reconhecimento da historicidade como marca da realidade humana foi assim descrita por Karl Jaspers (1993): “No espelho que é a história, enxergamos para além da estreiteza do presente e discernimos padrões. Sem história, perde alento nosso espírito. Se quisermos ignorar nossa história, ela nos surpreenderá à nossa revelia” (p. 33). Desta forma Jaspers nos diz que o passado está sempre conosco. Não estamos condenados a repeti-lo, podemos modificá-lo. No caso da Filosofia clínica superar o passado significa suplantar choques existenciais que se formaram em nosso passado.

Um terceiro aspecto distintivo deste humanismo deriva da singularidade humana. A pessoa é singular não só porque tem uma história particular, tem uma situação única ou porque tem uma carga genética própria. A Filosofia Clínica reconhece que cada pessoa é singular porque é um mundo. Ela se reconhece como sendo única. Nela há uma forma única, diz Lúcio Packter (2008): “de como estão associados todos os seus sentimentos, os seus entendimentos, seus dados éticos e epistemológicos, religiosos e o que mais houver” (p. 32). Ela possui uma vida íntima única. Como lembra Delfim Santos em A nova problemática (1982):



“A pessoa é sempre presença e ser no homem, usando das expressões de Heidegger. As situações criam no homem formas de pensamento de que ele não poderá libertar e que condicionam a forma de vida que cada homem revela e que lhe dá possibilidades e limitações diferentes ou capacidades de compreensão e reação ante as situações que o seu estar-no-mundo encontra” (p. 362).



Lúcio Packter cita Protágoras para explicar esta singularidade da consciência humana. Ele diz (2008): “como cada coisa aparece para mim, assim ela é para mim; como cada aparece para ti, assim ela é para ti” (p. 12). No entanto, o que dizem fenomenólogos e existencialistas sobre a singularidade da alma humana está muito adiante do que afirmou Protágoras, para quem a singularidade da consciência deriva de um conhecimento pautado nos sentidos, que, como sabemos, nem sempre são confiáveis.

E Lúcio não acompanha o filósofo grego, pois Protágoras, o primeiro sofista, defende o mais radical relativismo em Moral, em Política e no Conhecimento. Este relativismo absoluto foi desde o princípio sentido como problemático por quase todos os filósofos, como lembra Valderde com as seguintes palavras (1987): “Denunciando as certezas, duvidando, num realismo pessimista, da possibilidade da Verdade, não foi à toa que os sofistas atraíram tanta ira” (p. 47). De fato, a Filosofia Clínica que respeita a singularidade da consciência dos indivíduos não admite o relativismo absoluto: não dá o direito de matar quem se odeia e se a pessoa o fizer reconhece que ela vai pagar por isto (cf. o que diz Lúcio Packter na p. 17). Também não diz que se possa namorar as mulheres dos amigos sem conseqüências (cf. p. 16).

Considera, portanto, que há tipos diferentes de verdade: algumas subjetivas e outras objetivas. Para explicar melhor o que quer dizer Lúcio Packter lembra Arthur Schopenhauer para dizer que a consciência é construída de representações. Fazemos representações, mas elas não esgotam a realidade, afirmava Schopenhauer. O filósofo ajuda Lúcio Packter a escapar do relativismo sofista ao dizer que nem tudo se reduz ao indivíduo, mas Schopenhauer também não serve para o que Lúcio Packter pretende, pois as suas representações se referem ao que Kant denomina fenômeno, deixando espaço para a vontade que é, para ele, o princípio infinito do real.

A representação é aparência ou forma como o mundo aparece para nós, mas isto não significa que cada um seja um mundo singular, pois categorias e fenômenos são compartilhados numa consciência transcendental da qual todos são participantes. Conforme observa Julián Marías, Schopenhauer trabalha com os esquemas kantianos, ou como eles eram entendidos naquela época. Afirma Marías (2004): “As formas deste mundo, que o transformam num mundo de objetos, são o espaço, o tempo e a causalidade, que ordenam e elaboram sensações. As raízes kantianas desta teoria são bem visíveis” (p. 373).

Isto para não entrarmos no essencial de Schopenhauer para quem há um momento no mundo que não apreendemos como fenômeno, mas de forma mais profunda e imediata como vontade de viver. O eu vê o mundo como representação, mas também como vontade, conclui Schopenhauer. O que Lúcio Packter pretende dizer no seu livro é coisa muito diversa de Schopenhauer. Lúcio entende que as pessoas percebem o mundo de forma única, mas que nele há coisas e valores que não são relativos, pois as pessoas vivem numa sociedade que tem verdades que não são subjetivas (cf. p. 63).

Há uma instância social que os objetiva, o mundo natural segue leis que não mudam pela vontade e o mundo social tem regras para serem seguidas. Portanto, toda esta discussão sobre o mundo único e vida compartilhada só faz sentido com os elementos da filosofia contemporânea, ou melhor, da fenomenologia, em especial na aplicação do método fenomenológico à psicologia humana.

Este reconhecimento de que cada um vive o mundo intimamente a seu modo, embora viva num ambiente social que tem regras e leis objetivas é outra característica deste humanismo da Filosofia Clínica. Há verdades dizem os fenomenólogos: subjetivas (ou existenciais) e objetivas (vindas da Ciência, Religião e Filosofia, isto é, da sociedade). É esta a razão pela qual “não pode o filósofo começar a clínica com tipologias ou esteriótipos ou dogmas” (p. 24), o indivíduo é, em certo sentido, uma forma única de perceber e sentir e deve ser compreendido assim.

No entanto, ele é histórico, vive sua liberdade em circunstância, possui uma estrutura de pensamento, usa submodos, etc. aspectos que ele compartilha com todos os outros homens. Apesar da semelhança com as teorias de inspiração fenomenológica a Filosofia Clínica tem suas particularidades. Dito de outro modo (2008): “o fato de se valer de pressupostos fenomenológicos e possuir semelhança com outras teorias sob o mesmo alicerce não significa que a filosofia clínica não tenha uma estrutura só sua” (p. 68).

A Filosofia Clínica tem uma posição específica diante das técnicas que estudam a consciência. Ela espera evitar aqueles erros que os fenomenólogos denunciaram ao dizer que ao tratar a alma com as categorias do mundo físico, o humanismo que veio da ciência entrou em crise e isto, na síntese de Delfim Santos em Humanismo científico porque (1982): “a ciência não deu ao homem o que ele esperava, dando-lhe inesperadamente o que ele não esperava. E o que fazer desse não esperado que, de longe e bruscamente, ultrapassou todas as nossas esperanças?” (p. 497).

Esta é outra característica do humanismo da Filosofia Clínica. Ela entende que a ciência é importante, mas não desvela toda a realidade íntima do homem, em especial sua dimensão de liberdade, como dizem os mais diferentes fenomenólogos como Delfim Santos, Miguel Reale, Ortega y Gasset, Karl Jaspers e tantos outros.

Como combinar a liberdade pessoal com as exigências sociais? A resposta de Lúcio Packter é amarrar o ensimesmar-se (ou solidão) e o alterar-se (ou voltar-se para fora), para usarmos as expressões consagradas por José Ortega y Gasset. Esta dupla realidade de sermos livres e únicos, mas também integrantes do grupo social aparece assim nas palavras de Lúcio Packter (2008): “A solidão nos fará desejar a sociedade e esta nos conduzirá novamente a nós mesmos” (p. 50). Portanto, neste sentido, a posição de Lúcio corresponde exatamente ao que diz Ortega y Gasset ao explicar que a subjetividade contemporânea supera a antiga compreensão do eu formulada no início da modernidade (1961):



“O eu, (...), é intimidade: agora se trata de que saia de si conservando sua intimidade. Não é isto contraditório? (...) o eu é intimidade, é o que está dentro de si, é para si. Contudo, é preciso que, sem perder esta intimidade, o eu encontre um mundo fundamentalmente diverso dele e que saia, fora de si, para esse mundo” (p. 140).



Esta saída de si aparece nas relações intersubjetivas tão estudadas pela psicologia fenomenológica sob a égide da empatia. O humanismo da Filosofia Clínica incorpora mais este aspecto da fenomenologia existencial, o homem se faz na liberdade, ele não nasce pronto, mas a liberdade se vive entre outras pessoas. As escolhas que revelam nossa liberdade são feitas numa circunstância e diante de outros sujeitos que também são livres.

Em outras palavras, a liberdade de cada um nos faz únicos, nós nos escolhemos com nossas escolhas, mas nossas escolhas envolvem outras liberdades. Isto faz com que as relações pessoais sejam “subjetivamente aprazível às pessoas envolvidas” (p. 34) ou o inverso, as relações podem ser sentidas como ruins. Como já resumimos (2005): “No primeiro caso denominamos a interseção de positiva. Quando ocorre o inverso a chamamos de negativa. Existe ainda a interseção confusa, quando as pessoas não sabem dizer qual a experiência estão vivendo” (p. 18-19). A forma como ocorrem as interseções é o modo como a Filosofia Clínica estuda a intersubjetividade.



Considerações finais

Ao referir-se à Filosofia Clínica como humanista, Dayde Packter Zavarize nos obriga a pensar em que sentido ela o é. Parece-me que o fundamental do humanismo presente na Filosofia Clínica seja o reconhecimento da singularidade e liberdade do homem. Uma subjetividade que tem várias instâncias e é vivida num certo meio. A singularidade existencial nos impede de tratar a pessoa como coisa quando ela está no exercício da sua liberdade. Esta pessoa vive conflitos ou choques íntimos por conta de suas escolhas ao longo da vida. Através das categorias ela se localiza no mundo e o percebe do seu jeito.

Outras características do humanismo presentes na Filosofia Clínica acima enumerados são: subjetividade situada numa circunstância, verdades objetivas do mundo social balizando a individualidade, incapacidade da ciência tratar a liberdade humana e tipos diferentes de relacionamento intersubjetivo são características de diversas escolas de fundamentação fenomenológica notadamente do personalismo, existencialismo e culturalismo. Por isto, o humanismo da Filosofia Clínica articula-se em torno de elementos tipicamente humanos reconhecidos pela fenomenologia.

O que explanamos revela que não estamos diante do humanismo renascentista, mas de um humanismo impregnado por outra característica fenomenológica, a historicidade do homem. Ele se escolhe continuamente e muda seu futuro desta forma. Neste sentido, é um humanismo otimista, pois aposta na possibilidade da pessoa romper os choques que a limitam e descobrir o caminho que a fará feliz.



Bibliografia

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