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Limitação e possibilidade

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Teresópolis-RJ

"Com as grandes obras, os sentimentos profundos significam sempre mais do que têm consciência de dizer." (Albert Camus)

Não se trata de inconsciente. O assunto aqui é o reconhecimento da limitação humana. Camus postula que o mundo é um absurdo. Este se dá com a incompatibilidade da razão em querer compreender a ordem e o todo do mundo, com o mundo e sua impossibilidade de ser completamente abarcado pela razão.

Um filósofo clínico compartilha da limitação com que o filósofo do absurdo postula. Mas, essa concordância é referente à pessoa humana. Dado que esta não pode ser totalmente abarcada pela razão.

O partilhante é um mundo a ser desvelado. Não mais em sua totalidade, mas no que for possível para auxiliá-la em sua existência.

Há ausência de verdade absoluta, talvez uma das afirmativas mais polêmicas da Filosofia Clínica. Há representação singular do mundo, mesmo que à primeira vista tente-se buscar um ponto de vista no âmbito coletivo.

Ir fundo no que o partilhante tem a dizer é um caminho árduo. Permitir-se deixar, mesmo que temporariamente, as próprias representações com seus devidos valores, é um esforço que precisa de muita prática. A proposta da clínica filosófica é encontrar existencialmente o outro e buscar auxiliá-lo em seus conflitos.

No entanto, não somente nas grandes obras, mas, também, na individualidade as diversas formas de expressão “significam sempre mais do que têm consciência de dizer”. O próprio partilhante busca ajuda por não estar ciente de sua estrutura de pensamento e de seus respectivos conflitos.

O filósofo clínico, tal como um leitor dos grandes clássicos, deve aprender a observar nas entrelinhas do que é expresso. Ler a integralidade do que está exposto. Em seguida, buscar o dito no não dito. Enraizar em pontos não explorados. Encontrar conflitos apresentados no assunto imediato, no assunto último.

Deve saber, portanto, que o apresentado pelo partilhante é sempre maior. Igualmente é sua vivência. Mas, ao apreender o máximo possível do partilhante, o filósofo adquire a possibilidade de compreender sua linguagem. E, ao compreendê-la, falar a sua língua, busca expressar algo próximo de sua representação de mundo.

Reconhecendo a limitação de se chegar ao universo existencial do outro, o filósofo clínico pode trabalhar na possibilidade do que lhe é oferecido na partilha.

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