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À Deriva*

"Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho."
Florbela Espanca


Pensamentos agitados. Nada pára. Tudo é revolto e fora do lugar. Turbulência interna a refletir ansiedades corriqueiras.

Os fantasmas interiores invadem o pensamento sem qualquer aviso prévio. Fazem do intelecto um verdadeiro campo de batalha.

Sua munição costuma ser uma adição dos inconvenientes passados, recolhidos num sobrevôo sobre a historicidade da pessoa envolvida.

Sensação de eternidade vivida em alguns instantes. Queda livre no abismo das idéias complexas. Nessa lacuna, completa solidão. Os devaneios transitam entre o céu e o inferno numa demonstração de força e fraqueza.

Pode-se perceber alguns ruídos desse vendaval. Mãos agitadas, respiração ofegante sinalizando o cansaço de um corpo a lutar. O espaço vai ficando pequeno para a expressividade aprisionada.
Nesses instantes os roteiros vividos passam a ser a realidade.

Quando expressos costumam confundir as subjetividades em interseção. As histórias com seus personagens se mostram distantes do cotidiano.

Ao olhar insipiente, mais um temperamento instável. Os incômodos do não saber se aliviam em fórmulas, frases ou nomenclaturas criadas para encobrir a ignorância sobre o fenômeno.

Esse mergulho no abstrato não significa ser bom ou ruim. O desconhecimento da própria singularidade pode potencializar o mal estar. No entanto, uma boa clínica pode ajudar o sujeito a descobrir suas rotas de fuga ou reinvenção.
No mapeamento da geografia interna as trilhas encontradas supõem saídas desse labirinto.

Em “Alguma prosa” de Fernando Pessoa: “(...) porque ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala.”

A mudança de perspectiva pode devolver ao mundo da objetividade aquele que se perdeu no universo ideal. As percepções sensoriais ajudam trazer à memória outras lembranças.

Alterando o dado de semiose, a escrita consegue ser eficiente em alguns casos. Cada termo um limite. Cada frase um esquadro. Cada parágrafo um fim. As palavras traduzem as idéias. Reduzem o alcance da mensagem e seu significado toma dimensões mais próximas de um real compartilhável.

Quando existe insuficiência de signos a pintura pode funcionar como um canal de expressão. As cores com seus movimentos ajudam a descrever as novas linguagens.

A paisagem confinada em um quadro, por exemplo, pode remeter a cheiros, cores, sabores, roteiros e sons norteando a estrutura confusa.

Os pensamentos que outrora incomodavam podem se transformar em suave melodia. As inquietações internas representam, às vezes, uma necessidade natural de aperfeiçoar, embelezar a vida a partir de sua incompletude. A alma, criativa por natureza, rebela-se e se encaminha noutras direções.

*Ana Cristina da Conceição
Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS

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