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Uma análise do filme: "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"

Carlos Edu Bernardes
Filósofo Clínico
Goiânia/GO


Este filme é, a meu ver, o retrato do que deveria ser, na atualidade, o relacionamento de um homem e uma mulher, no eterno imbróglio de se darem bem.

Acredito que a película veio para ajudar a desbancar Romeus e Julietas, Cinderelas, Love Histories e Gatas Borralheiras dos seus pedestais: perversidades impostas a várias gerações no autoritarismo de amores exigentes e inflexíveis, que, a guisa de ideais, arrebentaram incontáveis relacionamentos e impulsionaram a indústria dos antidepressivos, da literatura da tragédia amorosa humana e dos divãs encharcados de lágrimas – para não falar nos suicídios bem reais.

Neste filme não temos panos-de-fundo políticos ou aristocráticos, como os Capulletos e Montechios sentados nos seus tronos de comando para a prevalência das suas vaidades.

Nada de frases monolíticas, estúpidas mesmo, como “amar é jamais ter que pedir perdão”, ou cavalos puros-sangues ao largo, ou serviçais (indubitáveis escravos) patéticos e afetados dando a própria vida pela felicidade dos patrõezinhos, ou de vestimentas suntuosas de um mundo que só podíamos vislumbrar pela janela da nossa dada mediocridade. O amor não era para qualquer um, 'tava' pensando o quê?

No BRILHO não há nem o príncipe encantado nem a princesa perfeita. Depois de algum tempo de relacionamento eles querem se ver livres um do outro (talvez num dejà-vu das histórias ouvidas sobre a ‘perfeição’ do amor), mas aos poucos se rendem, percebem que o par possível só pode ser o ser humano na sua mais oscilante acepção: fraco, indeciso, terno, bocó, único, forte, titubeante, bruto, sublime, terno, convicto, genial, carente, ridículo, blá, blá, etc., e sem o poder de dominar a verdade pura. Ou seja, 'nóis' na fita, ou, we on the tape.

O BRILHO nos mostra cruamente o quanto é importante o relacionamento entre pessoas que se olham nos olhos desde o início e, interessadas, vislumbram a possibilidade de perscrutar a nudez da outra alma – sem segundas intenções e sem beirar à pieguice, ou mesmo à inocência no seu estado mais manipulável. Sim. E não é necessário ir conhecendo o outro somente após estacionar os Audis-carruagem, despir os Armanis-armaduras, lavar os Chanel e descalçar os Carnellos, de cristal ou não.

Ademais se houver arestas, e há, elas são aparadas sem a anestesia de músicas pasmacentas e sem clichês moralistas. Tudo em ambientes reais onde não se vê assinaturas de grifes ou monumentos famosos, que tentavam comprar o quadro para referendar que o amor prefere lugares detalhadamente estudados. Não. A beleza das cenas insinua-se nos cabelos desgrenhados e mal-tingidos e em barbas por fazer, dentro de um veículo amassado. Ali a única arma de sedução é estar vivo.

O BRILHO revela também o quanto é inútil camuflar. A vida por si não propicia terreno para o advento de ventosas-garras da mentira ou da manipulação antinatural (mais cedo ou mais tarde elas se despregam ou se desmancham. Caso perdurem, penso, já é patológico).

É inócuo tentar apagar o que ficou gravado no coração. Não adianta utilizar despojos e trejeitos de outrem para conquistar um alguém já tocado pelo outrem (mesmo que os aparelhos e utensílios sejam exatamente os originais e o itinerário da 'conquista' milimetricamente igual). Nesses casos o ente prevalece sobre o ser.

Por algo que fica inexplicável, pois inexplicável é, a aceitação mútua passa ainda pelo crivo de ouvir um do outro o quanto se detesta certas peculiaridades e atitudes, certas manias e idéias, mas, ora, sem mais neuroses, eles querem ficar juntos.

O BRILHO é um filme que finalmente nos mostra a possibilidade de sermos aceitos e de podermos viver ao lado de outra pessoa simplesmente porque algo em nós pede. Isso é muito bom. É límpido; é sincero e gerador de lembranças impossíveis de se apagar.

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