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A beleza da dor que se dói

Sandra Veroneze
Jornalista e Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS


É bem verdade que a dor constitui veículo de consciência. A partir dela, revisamos conceitos, comportamentos, e temos a oportunidade de nos lapidarmos como seres humanos melhores – seja lá o que isso signifique para cada um.


A dor como veículo de beleza é tema sobre o qual tenho me debruçado mais recentemente, após assistir à entrevista com o transexual Lea T no Gabi Gabriela.

A primeira vez que tive contato com o assunto ‘transexualidade’ de forma séria e científica foi durante a graduação, quando li um livro de cases. Curiosamente, talvez pela simpatia que guardo pela fluidez de gêneros, a mim é mais fácil compreender a existência de um cérebro masculino em um corpo feminino, e vice-versa, do que a depressão, por exemplo.

Na entrevista, Lea T fala de sua trajetória, sobre as expectativas para a realização da cirurgia, recheando as entrelinhas com uma dor que, de tão funda, chega a ser bela. Toca de maneira sutil vários cantos da alma, sugere a necessidade de muito cuidado e tato com as coisas que correm na vida interior de cada um – e mostra, com toda força da sutileza, que a subjetividade é templo individual e sagrado, merecedor de todo respeito ‘que houver nesta vida’.

Não se trata, evidentemente, de fazer apologia à dor, mas respeitá-la em seu intento natural, que é doer. A dor que se dói, e sangra, é muito diferente da dor que se veste também de outros sentimentos, como raiva, ódio, etc. A poesia que ela gera, pode-se dizer, é quase rarefeita.

E falo isso com toda autoridade do mundo, porque não sei somente doer. Minha dor costuma vir acompanhada de raiva, que funciona mais ou menos como a tecla ‘te mexe’ acionada – e ali reside a explicação para a dificuldade que tenho para compreender a depressão.

É tão bonita a dor que se dói, aquela que faz a gente só sentar, ou deitar, e chorar. Deixar as lágrimas simplesmente correrem, feito rio tranquilo, que segue seu curso, desviando dos obstáculos, cumprindo todas suas etapas, até chegar ao destino /cessar. Essa dor tem em si o silêncio, que é sábio e tem jeito de ancião, negado àqueles que doem com fúria, raios, trovões e tempestades.

Eu me apaixonei pela Lea T.

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