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CONGRESSOS, JORNADAS, SIMPÓSIOS...

Ildo Meyer
Médico e Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS


Cenas lamentáveis aconteceram durante um congresso médico de âmbito mundial, realizado recentemente em Buenos Aires. O número de congressistas ultrapassou em muito as previsões da comissão organizadora, transformando o que deveria ser uma jornada de atualização científica e congraçamento em uma maratona de reclamações e indignação.

A fila de espera para receber o crachá de inscrição, que permitia o ingresso nas salas de aula, demorava em média quatro horas. Muitos olhavam o tamanho da fila, que chegava a dar voltas no prédio e desistiam. Alguns retornaram no dia seguinte e encontraram a mesma situação. Quase dois dias de congresso perdidos numa fila.

A surpresa maior estava no interior do centro de convenções: salas de aula sempre lotadas. Quando se conseguia entrar em alguma, não havia mais lugares disponíveis. Sentava-se no chão ou ficava-se em pé pelos cantos. Os restantes acotovelavam-se no corredor, tentando escutar através de uma porta semi-aberta. A alternativa para conseguir assistir determinadas palestras era mais uma vez formar fila na porta das salas, enquanto transcorria a sessão anterior.

O conhecimento médico exige atualização constante. Todos os anos, com este objetivo, alternam-se simpósios, jornadas e congressos em cidades diferentes. As dificuldades para a realização destes eventos são enormes. Os riscos maiores ainda, tanto para congressistas quanto para organizadores,

O trabalho de um congresso precisa começar três a quatro anos antes de sua realização, alugando centros de convenções, reservando rede hoteleira, contratando empresas especializadas, convidando palestrantes. Tudo isto apoiado na imprevisibilidade dos patrocinadores, freqüência de congressistas e desequilíbrios econômicos que possam surgir até a data do evento. Nada pode dar errado.

Visando atrair o maior número de participantes, o programa científico procura contemplar interesses múltiplos, divididos em várias salas com apresentações simultâneas. Tudo é muito corrido, comprimido em três ou quatro dias. O congressista precisa selecionar alguns temas e descartar os demais, conseguindo assistir no máximo trinta a quarenta por cento das atividades propostas.

Além disto, existem os custos com viagem, estadia e inscrição, sem contar os dias em que se fica ausente do consultório sem perceber honorários. Isto leva muitos profissionais a mesclarem congressos com férias, tentando desta maneira, unir o útil ao agradável. Aproveitam tanto as férias como os congressos pela metade.

Cidades com grande apelo turístico costumam ter maior número de inscritos, o que não significa presença efetiva no congresso. Muitos alternam passeios e praia com aulas, dificultando a previsibilidade de dimensão das salas, que podem ficar completamente lotadas, ou totalmente vazias.

As chances de conversar mais demoradamente com colegas de outras cidades são pequenas, e as de falar com aquele professor famoso, praticamente nulas. Imaginem o sentimento do cidadão que atravessou o mundo para chegar até o congresso de Buenos Aires, perdeu dois dias na fila, conseguiu assistir cinco palestras, três destas sentado no chão... Será que voltará no próximo ano?

Apesar de ser um negócio bastante lucrativo, favorecendo turismo, indústria, sociedades médicas, talvez os congressos precisem ser repensados, tanto em sua freqüência como na forma. Uma alternativa podem ser apresentações virtuais, onde conferências, mesas redondas, simpósios e casos clínicos são apresentados via internet e podem ser vistos no horário e velocidade que o assistente desejar. Um congresso nestes moldes pode durar seis meses, permitindo que médicos se inscrevam a qualquer momento e mesmo assim, assistam ao programa científico na íntegra.

As apresentações podem ser mais longas e o material exposto muito maior. Perguntas respondidas e discutidas via email ou em salas de bate papo virtual. Inscrições gratuitas ou com custo baixíssimo, pois além da redução drástica nas despesas, estas podem ser patrocinadas através de exposições virtuais de produtos e equipamentos. Abolidas as barreiras de tempo e distância, as possibilidades são infinitas.

Ficarão faltando jantares, cafezinho com colegas, bate-papo no centro de exposições, mas isto pode ser feito em um congresso de “carne e osso” a cada dois ou três anos, sem prejuízo do ponto de vista cientifico ou educacional. O importante é não repetir mais o ultrapassado ritual do retorno para casa com um certificado na mão, valido para a revalidação do diploma, e a dolorosa sensação de não ter aproveitado nem o congresso, nem as férias, e muito menos, se atualizado.

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