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E o que dizer da saudade...

Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ


Às vezes, ao deslocarmos olhares em direções confusas e imprecisas, que mal distinguimos, podemos sentir vazios que, por estranhos e cruéis, perpassam emoções impregnadas de conflitos. Estes vazios justificam angústias e antecipam ausências; eles abatem, drenam forças e podem nos lançar em labirintos cujo fio se desfaz a cada intenção de fuga.

Arrebatam a alma, desafiam a dor e obrigam a recomeços não previstos, e nem mesmo permitidos, de onde questionamos as possibilidades de sobrevivência. Nesses instantes, as dúvidas se revestem de uma irritante prepotência e insistem em fazer (re)visitas que não podemos receber. Não estamos preparados. A imposição deste novo momento não vem acompanhada de sorrisos e atitudes adequados, nem do chá com bolinhos. Pasteurizar a alma não é próprio de sentimentos sinceros, simplesmente porque não é possível fingir ou transferir ilusões.

O que dizer da saudade? Talvez, apenas que sempre há um instante para se dizer adeus; um tempo para repousar a alma e o corpo exaustos de lágrimas ou eufóricos de êxtase. Porque saudade também nos obriga a um olhar perspectivo e a seguir em frente, ainda que sem o aval da alma ou o preparo da existência. Afinal, quem está pronto para a angústia? Quem se habilita a aprender antecipadamente o que não é possível ou o que não é ansiado? Quem é capaz de desdenhar a dor?

A questão é que olhar em frente não é um caminho que se escolha; na verdade, pode ser apenas o único caminho possível. Não porque não se possa mudar de direção, ou mesmo desistir, mas simplesmente porque até isso pertence à inexorável respiração do tempo.

A vida, quer a entendamos, quer a desejemos, quer a rejeitemos, não descansa. Não repousa um só instante. Ela continua invicta nos seus infinitos e desafiantes momentos, em que se expande, se transmuta, se encerra ou se esvai, a gosto dos juízos de cada um. E a saudade... bem, esta permanece, na suposta tentativa de ser eternizada.

Saudades vem acompanhadas de muito, de tudo o que não conseguimos suportar, mas também de impressões válidas e significativas. Elas podem ser observadas de perto pelo que está longe... ou de longe pelo que está perto... por tudo o que não se pode viver... por tudo pelo que podemos morrer e por todas as incondicionalidades possíveis e permitidas.

Saudades são labirintos existenciais, perdidos entre tantos e incontáveis desvios e atalhos.

Saudades podem ser assim. Mas podem ser também a nossa dose diária (necessária) de humanidade.

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