Pular para o conteúdo principal
SUPER-HERÓIS NÃO PODEM AMAR

Ildo Meyer
Médico e Filosofo Clínico
Porto Alegre/RS


Neste mundo que nos tocou viver, temos que matar um leão por dia. Somos cobrados e ao mesmo tempo cobramos metas, números, competências, desempenhos. Precisamos ultrapassar a concorrência, vencer desafios e mostrar a todos que somos os melhores. Temos que ser perfeitos, bem sucedidos e deixar bem claro para todos que o fracasso mora ao lado.

Acontece que não somos perfeitos. Ninguém é perfeito, mas não queremos mostrar isto. Escondemos nossos defeitos e não mostramos quem somos de verdade. Temos vergonha que descubram nossas fraquezas. Fomos criados para nos preocupar com o que os demais pensam de nós e para permitir que outros ajudem a definir quem somos.

Por conta disto, todos os dias, antes de sairmos da cama, precisamos vestir nossa máscara de super herói. Atrás dela, ocultamos nossos pontos fracos, disfarçamos nossos medos e ficamos prontos para encarar o cliente, o patrão, o vizinho, o colega, o marido, o pai, o amante, o professor...

No momento em que colocamos o disfarce de heróis, ocultando nossos medos, um fenômeno interessante nos atinge. Não se pode escolher congelar seletivamente uma única emoção. Se paralisarmos o medo ou a vergonha, automaticamente a alegria, o amor ou a felicidade poderão ser embalados no mesmo pacote.

Quando o patrão diz que precisamos trabalhar mais horas, pois não atingimos os objetivos, não gostamos, queremos reclamar, mas com medo de uma demissão, encaramos a nova ordem e aumentamos nossa carga de trabalho. Não mostramos o medo, e depois em casa, não mostramos a alegria. Medo e alegria paralisados.

O marido reclama da esposa, sobrecarregando-a com um monte de novas obrigações. Não querendo estragar o casamento com discussões, ela vai lá e faz o que ele quer. Não mostra a vulnerabilidade e à noite não dá amor. Simples assim!

As conseqüências de enterrar emoções vão aparecer, cedo ou tarde. É muito cansativo ser alguém que você não é. Além disto, de tanto usar a máscara, ela pode grudar no rosto e não mais sair. O individuo passa tanto tempo longe de si, que depois se desconhece.

Além de vestirmos a mascara, a colocamos também em nossos filhos. Começamos desde cedo a prepará-los para a competição da vida. Inglês, computação, judô. Queremos torná-los perfeitos, talvez até porque lá em nosso íntimo, reconheçamos nossas deficiências.

Na minha infância sonhava em ser super herói. Cresci, virei adulto e hoje sei que super heróis não conseguem levar uma vida com emoções e afetos. Escondem-se atrás de uma identidade secreta, de uma máscara.

Não era o Superman quem amava a Lois Lane; o apaixonado era o desajeitado Clark Kent. Batman, Homem Aranha, qualquer um destes mascarados com rótulo de super-herói não conseguem se relacionar. Super-heróis não podem amar, suas vidas se resumem a salvar vidas em perigo e depois sumirem.

Os tempos são outros, e hoje em dia, o verdadeiro ato de bravura é se mostrar. Não é doloroso nem vergonhoso mostrar suas imperfeições, fragilidades e vulnerabilidades. É isto que nos faz diferentes, é isto que nos torna bonitos, é isto que nos torna humanos.

A diferença entre super-herói e ser humano não está na fantasia que se usa. Com esta a gente pode brincar. Talvez a verdadeira diferença esteja na coragem. Não na coragem para lutar contra bandidos e malfeitores. Coragem de gritar por socorro, dar um tempo para se conhecer, descobrir aquilo que somos e nos diferenciar do que não somos. Resumindo, coragem para se assumir.


Nietzsche, o grande filósofo já dizia: “Torna-te quem tu és”. Agora pergunto eu: “Estamos nesta correria toda para agradar a quem? Quem você não quer desapontar, quem deseja orgulhar? Cuidado com suas respostas, pois ao tentar agradar aos outros pode estar se perdendo de você.

Comentários

Visitas