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Viagens*

“Vivemos um intervalo e, então, nosso lugar não mais nos reconhece.”
Harold Bloom



Existe um universo de possibilidades para seguir de um lugar para outro. Você pode ir em frente caminhando, realizar uma introspecção e mergulhar em si mesmo, se deixar levar pelo curso dos deslocamentos multifacetados, sobrevoar tendências de ser estrada sem direção.

Muitas vezes se vai longe sem sair do lugar. Noutras é preciso o movimento físico para estacionar. Em alguns a arte de contemplar horizontes se desenvolve como essência do ser viajante.

Trajetos de muitas paisagens, cores e sabores, evidenciam presságios de novos roteiros. Em alguns instantes se tem a nítida ideia de já ter estado ali, fazendo parte dos cheiros, sons familiares. Também é possível muita coisa passar despercebida, aprisionada na ilusão do primeiro olhar.

Um sentido pessoal vai desenhando, por essas idas e vindas, os cenários por onde a vida se esboça para acolher distâncias. Um vislumbre andarilho a percorrer rotas e compor a dialética das estradas. Uma estética imaginativa a se oferecer na obra aberta do percurso.

Quando se inicia uma viagem objetiva, quase sempre começam outras, do lado de dentro, no universo subjetivo de cada um. Assim a alternância de paisagens pode evocar recordações, associações, promessas, renovando o estoque das vontades nas pronuncias desse morador de lugar nenhum.

É possível não se perceber quando a vida nova já chegou. Às vezes as rotas de fuga podem cristalizar o convívio com o passado, também pode significar chegar antes ao improvável futuro. Com o pé sempre a caminho, essa espécie de cavaleiro andante, persegue a extraordinária rotina das estações.

Qualificar a interseção entre o sujeito e suas circunstâncias pode elaborar o paraíso refugiado na ficção pessoal. As alternativas desse estrangeiro dependem de seu vislumbre, como protagonista em uma estória que lhe pertence. Ao saber viajante as poéticas reverenciam os mestres da realidade transfigurada. Adquirir um bilhete pode significar um passeio pela infinidade de eventos sem nome.

O templo sagrado da alma aprendiz acolhe a pluralidade das evasivas, retomadas e ressignificação, para oferecer, num agora passando, a coexistência com o mundo inteiro que lhe cabe. Assim a integração dos itinerários vai deixando pistas de algo mais, numa fenomenologia das viagens por vir.

Lançar-se em uma trilha nova pode significar um acordo com a musicalidade presente nos encontros, desencontros, reencontros, capazes de aproximar distâncias, enriquecer a vida. Ao exceder os limites do mundo atual, logo depois da zona de desconforto, costuma ter uma velha casa reconhecível.

Um roteiro absurdo aparece nos trajetos, não é raro uma sensação de perdição se instalar naqueles que ficam estacionados, quando deveriam andar, ou, aqueles a perseguir estradas, quando deveriam investir no endereço onde se encontram.

*Hélio Strassburger
Filósofo Clínico

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