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A carta de amor não escrita*

Bom dia Sr. Ildo,

Desde que assisti a sua palestra em Salvador, passei a ler seu site. Gosto do seu jeito de encarar a vida e também do seu jeito de escrever. Estou com um problema e gostaria de pedir sua ajuda.

Minha noiva foi fazer uma pós graduação em São Paulo e vai ficar por lá seis meses. Gostaria de escrever uma carta apaixonada, mostrando todo meu amor e saudade, mas não sou bom em escrever. Será que o senhor poderia me quebrar este galho e escrever uma carta de amor para ela? Diga quanto o senhor cobra.


Prezado Carlos,

Obrigado por seus elogios. Poderia começar a escrever a sua carta de diversas maneiras:

Querida,


É difícil dizer numa carta a saudade que esse nosso amor me causa. Conto nos dedos os dias que faltam para você voltar...

Olho para a sua fotografia e sinto que você também está olhando para mim. Meu coração se ilumina mas, ao mesmo tempo, vem a tristeza de lembrar o quanto ainda vai demorar para sentirmos o gosto de nosso beijo...

Sei que você está longe...Os e-mails trocados, os telefonemas, às vezes me fazem sentir que estamos muito perto...

Em se tratando de uma carta de amor, preciso fazer algumas considerações. Amor não pode ser explicado, justificado ou externado através de terceiros. Cada casal constrói sua fórmula própria de gostar e usufruir deste sentimento. Tampouco adianta o cérebro listar uma série de qualidades, afinidades, bons momentos e tentar se convencer de que aquilo é amor. Precisa haver uma química que envolva tudo isto. Cérebro demais pode até atrapalhar o amor. “Quem pensa muito não casa”, lembra desta velha e sábia frase?

Amor precisa ser sentido, mas também não é com o coração que se reconhece o amor. Isto é uma bobagem romântica que inventaram. Amor é sentido com o corpo inteiro. Vou fazer uma analogia bem simples. Assim como sentimos dor, calor, frio, fome, da mesma forma, o amor é sentido. Não existe dúvida quando ele aparece: ou o amor se faz presente ou ele não existe. Começando a amar, amor fraco, um pouco de amor, também são desculpas de quem não ama. Não adianta procurar um amor onde ele não existe, assim como também não tem sentido querer esconder o amor, quando este já chegou, fincou sua bandeira e se estabeleceu.

Algumas pessoas têm dificuldades em identificar o que sentem, não sabem se é amor, paixão, amizade colorida, gostar bastante, tesão...Que diferença faz o nome do sentimento? O que vale é o conteúdo e não o rótulo. Perdem tempo procurando provas, fazendo terapia, testes, trocando parceiros, aguardando o dia em que finalmente possam ter certeza não só de seus sentimentos, mas também os do companheiro.

Ficam no limbo esperando respostas. A maioria acaba se perdendo nesta busca e falando mal do amor ou do parceiro. Se o que vocês sentem entre si é uma vontade de estar, sentir, tocar, conversar, penetrar, cuidar, ajudar o outro, esqueçam nomes e aproveitem a sorte grande. Deixem que estas vontades guiem seus atos e eternizem cada momento mágico deste sentimento inominado.

Mande um pijama seu, uma foto da cama onde dormiam, um frasco do perfume que você usa, aquele vaso com pimentas amarelas que está na sua cozinha, um rabisco qualquer num papel...Não se preocupe, se o sentimento for autêntico, vai resistir ao tempo, a distância e até mesmo a sua dificuldade em redigir.

Apesar disto, se você ainda quiser encomendar uma carta de amor, vou lhe prevenir: meu preço não é barato. È mais caro que uma passagem de avião.

Boa sorte!

*Ildo Meyer
Médico, Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS

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