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O que faz da Filosofia Clínica, filosofia?

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG


Em diversos lugares é possível ler a seguinte afirmação: “A Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à clínica” ou “Filosofia Clínica é filosofia porque é baseada em 2500 anos de filosofia” ou “A Filosofia Clínica tem seu fundamento no pensamento dos filósofos, só que adaptados à clínica”, só para citar alguns.

Entretanto, essas afirmações dão ao senso comum ou a alguns filósofos, que ficam de “plantão” em busca de algo para criticar sem fundamentos, uma compreensão mal concebida. A impressão inicial parece ser que se toma a filosofia ou o pensamento dos filósofos e se aplica a clínica, e a única modificação parece ser a finalidade. Pois, os filósofos pretendiam um fim para seu pensamento e a Filosofia Clínica busca trabalhar questões existenciais de seus partilhantes.

A questão a ser tratada nesse texto não é fundamentalmente voltada para os filósofos clínicos, mas para os que têm uma compreensão errada que uma apresentação limitada pode oferecer em relação ao entendimento do que seja a Filosofia Clínica.

O que faz de Heidegger um filósofo e de seu pensamento uma filosofia? Seria a fenomenologia husserliana? As questões ontológicas suscitadas por Aristóteles? Seria a influência de Rickert? A resposta é: não! Não foi de onde nasceram certas questões que Heidegger desenvolveu em seu trabalho, que fizeram de seu pensamento uma filosofia. O pensamento de Heidegger, assim como dos demais filósofos, é filosofia porque tratou de questões, ou as suscitou e buscou meios de resolução dessas questões mediante métodos.

Assim como Husserl pensou uma fenomenologia para elevar a filosofia a uma ciência rigorosa e Kant tratou da razão pura em vista de reconhecer os limites da razão, Heidegger pensou uma fenomenologia e uma hermenêutica, em uma gama complexa de pensamento, em vista de tratar a questão do ser.

Toda fonte que Heidegger consultou, serviu de apoio, já que na filosofia um diálogo com a tradição ajuda a reconhecer respostas ou perguntas dos que precederam temporalmente, e talvez já tenha sido resolvida. E para compreender o pensamento heideggeriano, deve-se estudar o próprio Heidegger primeiro. Daí se houver interesse em suas influências ou no modo como foi sendo desenvolvidas certas concepções, torna-se relevante o estudo dos filósofos dos quais ele partiu para pensar seu próprio caminho.

Voltando a questão da Filosofia Clínica, é relevante pensar que o que a torna uma filosofia não são as fontes que serviram de inspiração para sua formulação. Hoje se sabe que Freud teve influências de Nietzsche e Schopenhauer e a psicologia surgiu da própria análise filosófica e depois passou a buscar métodos mais científicos no sentido mais contemporâneo do termo. E nem por isso a psicanálise e a psicologia são filosofias. Portanto, o que faz da Filosofia Clínica uma filosofia, é seu método.

Rompendo com pressupostos de algumas terapias que se pretendem científicas, a clínica filosófica baseia-se em um método no qual não há pressupostos nem arquétipos para o terapeuta “enquadrar” seu partilhante. O que o filósofo clínico tem é um caminho a partir do qual ele pode aproximar-se ao máximo da forma como funciona a Estrutura de Pensamento do partilhante a fim de que juntos, filósofo e partilhante encontrem um alívio para conflitos existenciais apresentados.

Lúcio Packter pode ser considerado um filósofo por sua elaboração de um método cuja finalidade é tratar questões existenciais. A Filosofia Clínica pode ser considerada uma filosofia porque ela em si mesma é um constructo filosófico cujo fim é encontrar conflitos na Estrutura de Pensamento do partilhante e com submodos, trabalhar esses conflitos.

A fundamentação, ou as fontes consultadas por Packter, tem o mesmo valor que Husserl e Aristóteles têm para o pensamento de Heidegger, ou seja, servem de reconhecimento das influências de seu pensamento. Mas, da mesma forma que a filosofia de Heidegger é diferente da de Husserl, a de Packter é diferente da de Wittgenstein, embora haja em ambas claras influencias de concepções.

Diante disso, quando a Filosofia Clínica for questionada em relação ao que faz dela uma filosofia, não é tão claro falar que é pela sua base de fundamentação. É mais razoável – tem uma lógica racional – dizer que ela é um método filosófico quanto qualquer outro e que tem uma finalidade própria quanto qualquer outra possui.

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