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O que permanece quando muda?

Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG


Gosto de algumas afirmações heraclitianas, sobretudo a ideia de movimento. Plutarco (46 a 126 d. C) apontando concepção de Heráclito (535 a 475 a. C.) diz:

“Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo reúne (ou melhor, nem mesmo de novo nem depois, mas ao mesmo tempo) compõe-se e desiste, aproxima-se e afasta-se” (Plutarco, Coroliano, 18 p. 392 B.).

A proposta de mudança pensada por esse pré-socrático pude vivenciá-la ao longo do que a vida me concedeu experimentar até agora. Eu mudei, a realidade à minha volta mudou, as pessoas mudaram. E talvez uma das mudanças mais claras e necessárias que experimentei foi a aproximação de algumas pessoas e o afastamento de outras.

Aprendi que na medida em que mudamos, não mudamos o modo de ser das pessoas ao nosso redor, pelo menos na grande maioria dos casos. O que mudam são as pessoas que nos cercavam. Mudam-se as crenças, os pontos de vista, o modo de vivência social, a profissão, os lugares frequentados, e com tais mudanças as pessoas são outras, os assuntos discutidos são outros, a vida é outra.

Às vezes as mudanças causam medos e acabamos por nos agarrar ao que já não faz parte do que somos agora. Prender-se ao que não é de nosso universo ou estado atual impede que o novo seja bem recebido. O novo exige espaço novo, olhos novos, receptividade de algo disposto a ser renovado. Afinal, jogar água limpa em recipiente sujo não muda o ambiente do recipiente qualitativamente. Medo e mudança, nesse caso, são antagônicos. Mas, podem conviver como opostos heraclitianos numa dialética em vista de denominador comum ou no vencer de um dos pólos. E que vença o que nos fizer melhor.

Tudo muda o tempo todo e mesmo a tentativa de permanecer o mesmo não impede a mudança. Ainda que as buscas sejam as mesmas, os pontos de chegada determinarão outros pontos a serem alcançados. Ainda que queiramos lidar com as pessoas como fazíamos antes, tudo o que nos foi acrescentado ao longo da jornada nos tornou diferentes.

O convívio já muda as coisas. Por mais que quiséssemos conviver com as mesmas pessoas nos mesmos ambientes, ainda assim essas pessoas adquiririam outros modos de lidar conosco, e já não seriam as mesmas pessoas e nem seríamos os mesmos com a ação delas sobre nós.

E o que fica diante disso? Heráclito dirá: a mudança. Esta pode causar medo às vezes. Por vários momentos nos deparamos com horizontes obscuros à frente. Não seguir em frente, ainda que não vislumbremos onde iremos chegar, já é uma escolha, dirá Sartre e Heidegger.

E na visão heraclitiana, a mudança permanecerá acontecendo. Pois diante da ausência de ação no vislumbre do horizonte, o horizonte e a ausência de ação mudarão. Decisão já é uma mudança ao mesmo tempo em que o horizonte também muda, sendo ou não percebido por nós.

Ler esse texto já mudará alguma coisa no leitor, assim como está mudando meu modo de ver a vida, mesmo que eu esteja descrevendo uma constatação de minha vida e não me propondo mudança alguma.

Nas primeiras linhas éramos um e agora somos outros: tanto eu enquanto escrevo quanto você enquanto lê. Percebemos uma mudança senão no comportamento, pelo menos nas críticas observadas ou nas reflexões suscitadas. Negar o conteúdo do que foi lido, já constitui uma mudança, pois já terá visto outro ponto de vista e saberá que todos os parecidos com estes são suscetíveis de serem negados.

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