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Adeus Pimbo, a-Deus

Sou do tempo antigo. Quando decidi casar, pedi a mão da noiva ao Pimbo, meu futuro sogro. Ele concedeu, com uma única ressalva: - faça minha filha muito feliz.

Quando nos divorciamos, mais uma vez o procurei e tivemos outra conversa formal.. Expliquei que havíamos tentado várias alternativas, mas não conseguíamos mais ser felizes juntos.

Seu pedido perdera a validade. Ele me abraçou, disse que gostava de mim como um filho, lamentava demais, porém precisava respeitar nossa decisão. O casamento terminou, a amizade permaneceu.

Agora ele está morrendo. Estado vegetativo em um leito hospitalar, com os dias contados. Fomos nos despedir, eu e meu filho. Chegamos à noite. Estávamos a sós com ele no quarto, apenas uma atendente de enfermagem semi-dormindo no sofá ao lado.

Não queria que aquilo fosse apenas mais outra formalidade, mas não sabia como me comportar. Tampouco meu filho. Aproximamo-nos, despidos de defesas, com o desejo de dizer adeus ao ex sogro, amigo e avô. Meu filho, com os olhos marejados de lágrimas começou a acariciá-lo e assim permaneceu por algum tempo. Sabíamos que estava faltando alguma coisa, mas nossas vozes e gestos estavam embargados.

Impulsivamente abracei o Pimbo e disse que quando chegasse a minha hora de partir, gostaria de receber na despedida muitos beijos e abraços de meu filho. Demorou um pouco, mas aconteceu. Leonardo, ainda com os olhos molhados e voz sufocada apertou o avô contra seu peito e disse: - Vou sempre me lembrar de ti. Nunca vou te esquecer. Te amo, vô. Um beijo demorado no rosto selou suas palavras.

Quando o filósofo judeu Emmanuel Lévinas faleceu, seu colega e amigo Jacques Derrida fez um discurso de despedida, onde dizia ter de pronunciar uma palavra de adeus, uma palavra a-Deus, para Deus e diante de Deus.

O fato de permanecer vivo na ausência do outro, gerava uma culpabilidade sem falta ou dívida e se transformava em uma responsabilidade herdada. Em outras palavras, Derrida na falta de Levinás se obrigava a responder por ele, por quem não mais responde, ou seja, assumindo a falta do outro, em nome do outro e frente a um outro, o inegável mesmo da ética.

Pimbo, ficar para sempre na memória de um neto é um legado e tanto de vida. Pode ir em paz, tua missão foi cumprida. Adeus e a-Deus. Mesmo sem enxergarmos, estarás aqui.

* Ildo Meyer
Médico, escritor, filósofo clínico
Porto Alegre/RS

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