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Bonde do amor*

Era uma vez... Um homem e uma mulher que, sentados ao pé do Cristo, no Morro de Imperador, se prometeram amor eterno. Seus cabelos brancos, as rugas e o tremor de muitos anos de separação lembravam o início de uma história inacabada no Parque Halfeld.

Chovia muito quando o bonde chegou. Ela vestia o uniforme engomado do colégio Santa Catarina e ele, o uniforme bem passado do exército. Seus olhares se encontraram por instantes. Ela desviou o rosto, envergonhada, com a face queimando, e fez que não o viu. Ele tossiu, tentando disfarçar o coração disparado de tanta emoção.

O bonde passou na vida dos dois. E eles nunca mais se viram. Ficou apenas o olhar e a imagem. Os anos sopraram como os ventos. Ela casou com um amigo. Ele foi para capital. Tiveram filhos, criaram histórias opostas de amor e dor.

Até que, em uma tarde, na Catedral Metropolitana, ao som da marcha nupcial, ele entrou com sua bela filha, vestida de noiva. Ele, que foi morar para além-mares, voltou na semana do casamento. Ela, como mãe do noivo, desfilou pela nave da igreja, trêmula, diante de todos os ansiosos convidados.

Lá fora, chovia. Não havia mais bonde. Mas, diante do altar, os olhos se cruzaram. Eles não eram os noivos, porém o mesmo olhar e a mesma emoção. Eles não mais disfarçaram. Fixaram o olhar que reacendeu a paixão vivida por um instante fugaz. Os corpos se acenderam. Os sinos tocaram. As almas se encontraram.

E... Não mais se falaram, pois a festa no Clube Bom Pastor os separou. Eram pais dos noivos a receber amigos e a celebrar o enlace.

Naquela noite, não dormiram. Ela viúva. Ele separado. Corações pulsavam e a imaginação acendia desejos há tempos congelados. No ar, devaneios.

Naquele sábado bem cedo, ela desceu a Rua Halfeld até a Getúlio Vargas. Seu olhar procurava. Nem sabia o que. Andou feito barata tonta de lá para cá em meio ao movimento da abertura das lojas festivas para aquele dia sempre especial de sábado. Era sempre uma festa no centro da cidade, o fim de semana. Parou no Café do Cine Palace. Bicou um expresso. Coração agitado. Saudade do filho único que, na volta da lua de mel, moraria lá na Cidade Alta.

Ele, bem cedo, foi caminhar no Museu Mariano Procópio. Pensou no como conseguiu conhecer o noivo da filha só no dia do casamento. Desde que separou, não mais voltara a Juiz de Fora, nem viera mais ao Brasil. Sua filha sempre o visitava no exterior.

Em meio a estes pensamentos, sentado diante o lago, ele sentiu como se o tempo tivesse retrocedido. Viu umas charretes movimentarem pela antiga Villa Ferreira Lage. Sentiu um homem, com barba espessa e polainas, sentar ao seu lado. Era Alfredo Lage, que o saudou, dizendo:

- Este parque ainda continua muito bonito! Hoje, 23 de junho,seria aniversário de meu pai. Ele foi um grande homem, engenheiro e político. Construiu a Estrada União e Indústria que uniu Juiz de Fora a Petrópolis. Recebeu D. Pedro II e sua comitiva para a inauguração. Foi uma grande festa.Transformei esta nossa casa em Museu em homenagem a meu pai, quando completou 100 anos de seu nascimento, pois ele tinha um grande acervo de arte.

Esta quinta tinha 78mil m2 e era um paraíso tropical com uma flora exótica, como dizia meu amigo naturalista suíço Jean Louis Rodolph Agassiz. O castelo ali no pico da montanha, onde é o museu, sempre foi assim envolto em árvores, estilo renascentista, projetado pelo alemão Carlos Augusto Gambs. Sempre adorei este lugar. Vou dar mais uma volta para ver como tudo ficou. Bom dia! Ah, se tiver oportunidade conte a todos que sempre passeio por aqui. Não fique assustado, o tempo é uma ilusão.

Ainda sob o forte impacto daquele encontro, ele pensou: - Pena que o Museu se encontra fechado para o público e seu acervo corre o risco de se perder!

Como a vida tem seus segredos e mistérios que não têm explicação, aconteceu. Ela, no impulso vindo da memória do passado, foi ao Parque Halfeld, ao meio-dia. Ele, no impulso vindo do passado, e ainda meio tonto do encontro no Museu, foi ao Parque Halfeld, ao meio-dia.

Não havia nem bonde, nem chuva. Em frente às escadas da Câmara Municipal, eles se reencontraram. Olharam-se. Sorriram e se abraçaram. Nenhuma palavra foi dita. Nem era preciso. Pegaram o carro em direção ao Morro do Imperador. No caminho, uma neblina intensa criava um ar bucólico, romântico- poético. Ele ligou o rádio que tocou a música: Algum lugar do passado. Ela derramou algumas lágrimas. Ele, silencioso, sentia o coração pular pela boca.

O abraço e o beijo aconteceram como em toda historia romântica, ou conto de fadas, ou no mito moderno. E... Como todos já perceberam. Começou uma linda história de amor, onde poderíamos apenas escrever FIM.

Com certeza, foram felizes para sempre na bela cidade de Juiz de Fora, entre as montanhas azuis, onde os raios gostam de brincar e os deuses se escondem para descansar.

*Rosângela Rossi
Psicoterapeuta, filósofa clínica, escritora
Juiz de Fora/MG

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