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Erasmo de Rotterdam*


LOUCURA E RAZÃO

Elogio da Loucura foi dedicada a Thomas More. Editada primeiramente em 1509, na qual a loucura é uma deusa determinadora das ações humanas.

Organizadora das cidades, mantenedora dos governos e da religião. Essa obra é relevante no movimento renascentista (KANTORSKI, 2010, p. 241). “Erasmo de Rotterdam soube atacar, com muita astúcia e capacidade, os abusos e as contradições presentes no clero e em toda sociedade de sua época, sugerindo alternativas para uma vida moralmente correta” (KANTORSKI, 2010, p. 243).

Na obra erasmiana a deusa grega é vista como força de energia do cotidiano. Trata-se de um monólogo na qual a loucura apresenta os motivos que a torna cultuada. Mostrando, assim, sua relevância e superioridade às demais faculdades humanas, baseando-se nas ações dos próprios homens formando “as cidades, os governos, a religião e a própria vida, consistindo em uma espécie de divertimento da mesma” (KANTORSKI, 2010, p. 244).

Nessa obra, Erasmo rebaixa ao ridículo os sacerdotes, os poderosos da Igreja, bem como as diversas organizações de seu tempo, retratando “com caráter extremamente satírico as aberrações, os contra-sensos e as mazelas presentes nas diversas classes sociais e instituições vigentes” (KANTORSKI, 2010, p. 244). Os costumes da cultura européia são tratados de modo irônico, nos quais a loucura está como elemento presente, orientador da ação humana, no sentimento, na ligação entre ambos e na religião.

Erasmo não alimentou reservas ao tecer críticas à Igreja que ainda no século XVI concentrava grande poder, e assim suas críticas são em grande parte voltadas para os membros do clero. “Erasmo defende o acontecimento das expressões da loucura humana no meio religioso, enfatizando seus reflexos na aspiração dos homens por riquezas, na preocupação com as necessidades do corpo e na negligência com a própria alma” (KANTORSKI, 2010. p. 246). A crítica erasmiana se embasava no cristianismo primitivo, tecendo severas críticas aos clérigos por não viverem o amor e a simplicidade, contrários ao modelo exemplar trazido pelos apóstolos.

Outra crítica severa está nos abusos dos membros da Igreja com a venda de indulgências e de perdões, com tarifas estabelecidas e recebidas pelos sacerdotes, inclusive contabilizando o tempo da alma no purgatório.

Erasmo buscava trazer o cristianismo das origens se valendo, inclusive, da Loucura como denunciador dos exageros, contra toda superstição, abusos, cerimônias sem sentido, a luxúria, questões lógicas metafísicas da escolástica que fundamenta até a guerra.

Sua busca era pelo evangelho puro, livrando-o dos excessos adicionados por interpretações ao longo da história. Para isso buscava o texto em si. O que seria mais necessário é tornar o evangelho da Vulgata mais acessível em compreensão para o povo, sendo necessárias correções sempre que essa compreensão fosse menos acessível. No humanismo, o saber dos autores pagãos e a sabedoria cristã se identificavam em igualdade de valor. Era importante, portanto, que se tornassem acessíveis à população.

Segundo Kantorski o “conceito de loucura para Erasmo poderia ser simplesmente resumido pelas ações realizadas por algo maior que nos move, ou seja, através da manifestação do indivíduo pela paixão”. E afirma em seguida que Erasmo rompe com a compreensão convencional atribuída à ideia de loucura, em busca de apresentá-la nas diversas esferas da sociedade inclusive instituições tais como o casamento, a Igreja e que é por fim “uma natureza das paixões própria do ser humano” (KANTORSKI, 2010, p. 247).

Erasmo vale-se de uma personificação mitológica da loucura como artifício literário, já indicando a crítica racional dessa concepção. Ele era fruto de seu tempo e das questões que surgiam. Por isso, se pôs a criticar essa visão de loucura, e mais, fazer uma crítica à racionalidade oriunda da Escolástica.

Erasmo de Rotterdam realmente empenhou esforços para relatar a realidade Européia, destacando, neste contexto, a importância da Loucura, que simbolizava o resultado de todas as ações sociais. O intelectual também alcançou seu propósito, pois os preceitos da Igreja Católica começaram a ser revisados e, seu livro destacou-se pela notória preciosidade. A partir deste autor, poderoso em sua escrita e considerado modelo às gerações seguintes de protestantes, o humanismo ganhou fôlego (KANTORSKI, 2010, p. 248).

O Elogio da Loucura é a mais conhecida de suas obras. Nela, Erasmo trata da loucura em seu extremo negativo na vida do homem, e em seu extremo positivo que se dá na fé da “loucura da cruz” já afirmada por São Paulo. Diante de uma loucura que toma diferentes roupagens em momentos distintos, a da fé está sempre voltada para o transcendente como seu ponto culminante, e o cume dos cumes se dá na felicidade celeste, somente alcançada na outra vida dadas à percepção ainda na terra aos piedosos, somente de modo breve.

As críticas declaradas aos prelados em seus maus costumes renderam a Erasmo algumas de suas obras na lista do Index e outras receberam o pedido de cautela quanto a seu conteúdo. Não somente por parte da Igreja, mas Lutero se opôs à questão do Livre-arbítrio, que o levou a definir Erasmo como ridículo, tolo, sacrílego, tagarela, sofista e ignorante, e sua obra como cola e lama de lixo e excrementos. Mesmo havendo objetivos próximos, os caminhos trilhados por esses dois grandes pensadores, foram bem divergentes.

Em suma, Erasmo privilegia a razão ao modo clássico e estóico para fundamentar suas concepções e críticas. Em sua obra prima Elogio da Loucura, a razão é um tema importante. Trata-se de uma sátira à tolice, diante da qual todo homem sob os mais diversos níveis da sociedade toma pra si a convicção de sua própria importância, concebendo uma visão da realidade sob essa ilusão.

Ao mesmo tempo em que é criticada, a loucura também recebe elogios em diversos graus: irônico, satírico e apologético. Tudo isso com sutis distinções. Mas, que por fim sobra a conclusão de que há dois tipos de loucura, uma sábia e outra louca. A sábia conduz a felicidade e à pureza e está ligada ao amor, ao prazer (tempero da loucura), amizade (que busca não notar o defeito do outro), autoilusão (não notar nossos próprios defeitos), e a religião que privilegia a simplicidade e o Cristo encarnado, prometendo felicidade de alma fora do corpo, que dá margem para o Elogio da Loucura afirmar uma felicidade do homem fora de si. Loucura que permite um bom convívio social. Uma sabedoria que conduz as paixões para o bem. Enquanto a louca permanece em seu sentido pejorativo.

O cerne do pensamento de Erasmo no Elogio da Loucura está, segundo Rodrigues, em defender

uma religião que não se limitasse a práticas exteriores, mas que a partir do interior promovesse ações éticas e humanizadoras que resultariam num mundo melhor. Estariam desqualificados para essa tarefa, portanto, o misticismo e a escolástica. O primeiro por constituir uma religiosidade interior individualizada que não proporcionava humanização, e a última por lidar apenas com postulados racionais que na aridez de suas discussões não representavam nenhuma contribuição substancial para a sociedade (RODRIGUES, 2008, p. 07).

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*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG

** Texto será apresentado em quatro partes.

***A bibliografia utilizada será apresentada na quarta parte.

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