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Mudando perspectivas*

Passamos do geocentrismo para o heliocentrismo, do teocentrismo para o antropocentrismo. A Terra não é o centro do universo, o homem é a medida de todas as coisas. O sol é o centro do nosso sistema planetário, mas está longe de ser o centro de nossa galáxia, a Via Láctea. O sol nem é mais a estrela de quinta grandeza entre as conhecidas. Agora é muito menor. A Via Láctea é um imenso sistema com planetas e estrelas dentre inúmeras galáxias.

Até o fim da Idade Média, tudo girava em torno da Terra. O homem media sua importância por aquilo que a divindade lhe concedia, pela revelação, em algumas culturas. O homem era altamente valorizado, por exemplo, pelo Deus judaico-cristão. Os cristãos ainda tiveram um Deus que se fez homem para elevar os homens à dignidade de seu convívio na eternidade. Mais do que isso, o Reino de Deus já acontecia no tempo, no qual todas as coisas tendem a ser corruptíveis, frágeis, falhas, limitadas, e os homens, pecadores.

A era Moderna surge com a retomada da filosofia greco-romana, a era do Renascimento. René Descartes propõe o Discurso do Método a partir do qual todas as coisas podem ser conhecidas. Além disso, “encontra” o ponto de contato da alma com o corpo, na glândula pineal, e concebe o corpo humano como uma máquina. Com isso, Descartes deixa seu legado para as ciências empíricas que começam seus primeiros passos.

Observa-se que no céu também os astros são corruptíveis. A existência de Deus, antes tão evidente e indubitável, começa a ser posta em dúvida com mais afinco. Surge, em seguida, o Iluminismo, no qual a razão é o parâmetro das coisas que são e as que não são. Kant deixa como legado uma teologia que não se propõe provar a existência de Deus. Toda teologia passa a pensar Deus a partir da perspectiva e fé humanas. Tendo, diante disso, a clareza de que a impossibilidade de provar a existência da divindade não impede a busca por pensá-la.

A metafísica, grande foco da filosofia, perde espaço para a razão na técnica. O positivismo eleva-se. Torna-se mais importante produzir condições de conforto e entender como funciona determinado sistema do que buscar o fundamento último de todas as coisas. O Ser não é mais importante do que o trato com os entes. O tempo que antes era tão certo e contado, chegou ao século XX recebendo um status de relativo. Relativas foram se tornando toda moral e costumes. Talvez desde que o homem é homem, tenha sido, mas agora é oficial. A verdade, dizia Nietzsche, é uma criação humana e deve reinventar-se a cada nova necessidade de afirmação da vida.

Hoje o universo não é visto como aquele que simbolicamente foi feito em seis dias para que o homem dele desfrutasse e Deus descansasse no sétimo dia. O homem é tão poeira de estrelas quanto qualquer outra coisa que vemos. Deus não criou as coisas paulatinamente. O universo originou-se a partir do Big Bang, seja lá como ele tenha iniciado. No relógio universal, desde o Big Bang até hoje, poderíamos dizer que, em todo desenvolvimento, os dinossauros nos precederam alguns segundos e o homem veio praticamente no último segundo do que conhecemos sobre nossa realidade.

É isso mesmo! Como o mais importante ente de toda “Criação” acabou sendo tão insignificante diante de tudo que o precedeu? Talvez a pergunta seja outra. Cabe indagar por que aquele que com a consciência capaz de perguntar-se pelo sentido de toda sua realidade, seja capaz de em um momento da história se considerar tão importante e em outro, no qual tanta coisa foi capaz de pensar e criar, se considerar com tão ínfimo valor? O universo tomou novas formas a cada interpretação que formulamos? O homem, desde que tomou a forma atual, mudou? Não seria tão somente uma questão de perspectiva? Ou a realidade se moldou a cada novo sentido que lhe damos?

*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG

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