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Fragmentos filosóficos delirantes XCXXV*

Pintura a óleo/tela por Cândido Portinari (1934)

Discurso proferido num jantar de poetas (1929)

Eu faria um poema se fosse cabível ele ser contado agora por Eugênia. Porque então o que não pode ser dito ficaria sensível e visual na voz de Eugênia que é revelação. Para serem ditas por mim as palavras têm de valer por si mesmas. E exprimindo o seu sentido próprio, não poderão denunciar viva e presente a essência de nosso encantamento pela arte de Eugênia. Arte de prestidigitação que escamoteia o mundo aparente para substituí-lo por inúmeros mundos da invenção dos poetas, mundos profusos conjugados em sistema solar pela atração de sua sensibilidade transfiguradora.

Desse encantamento, permanente em nós todos, nenhum de nós saberá contar. Admiração. Gratidão. Êxtase. Alegria. É tudo junto. É encantamento. Encantamento de Aladim que pede à lâmpada mágica coisas maravilhosas e tem logo a maravilha. E a maravilha não é a que esperava, a que se vira antes. É outra, passada através de uma inteligência e de um coração, que se desagregam, se transfundem, se prodigalizam e não se gastam, chamas que irradiam sem se consumirem.

É assim para os que não são poetas e a escutam, enternecidos. É assim para os que somos poetas e a escutamos com surpresa. Para eles, a arte de Eugênia é aquela cambraia fina que se põe diante dos olhos a fim de perceber o vago São Jorge desenhado pelas montanhas da lua. Para nós que inventamos os poemas é a claridade indispensável de que os vitrais precisam.

O velho Ricardo dizia que só a dança revela a música, como só os corpos mergulhados na luz podem revelá-la e tornar o infinito luminoso diferente do infinito de treva.

É o que, para a poesia, é a arte de Eugênia: dança. Dança estática ou tumultuosa de sensações que acharam o corpo das palavras inertes e que depois ganharam a respiração da vida. Dança de imagens que se desarticulam, adquirem volume e se constroem objetivamente. Dança de pensamentos cadenciados que se amplificam ao prestígio de sua voz - comovente e empolgante como o silêncio. Dança que se propaga de seu instinto para o nosso inconsciente violentado e acorda ou gera a admiração, a gratidão, o êxtase, a alegria de nosso encantamento.

É o que as palavras sabem dizer do muito que não sabem exprimir, desse muito que a percepção de Eugênia descobrirá como descobre novos valores em nossos poemas, quando os dignifica e os enriquece por sua arte reveladora.

*Felippe D'Oliveira
1891 - 1933

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