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Rotas polares*

“E percebo que não importa onde eu esteja, seja em um quartinho repleto de ideias ou nesse universo infinito de estrelas e montanhas, tudo está na minha mente. Não há necessidade de solidão. Por isso, ame a vida como ela é e não forme ideias preconcebidas de espécie alguma em sua mente"
(Jack Kerouac)

Na vida, às vezes, é preciso traçar caminhos que nos levem de um ponto a outro por rotas aparentemente mais longas e difíceis. São percursos instáveis, que se delineiam quase que como atalhos e que podem inadvertidamente invadir territórios desconhecidos, demonstrando ser amigáveis ou não.

Na verdade, dificilmente há como prever o que quer que seja, ainda que exista busca. Mesmo acontecimentos próximos, presumíveis e consequentes são passíveis de mudanças na rota, de instabilidades temporais e de revezes de humor.

Já as possibilidades são absolutamente infinitas e a vida, traiçoeiramente inconsequente. Então ocorre que as linhas temporais se sobrepõem a cada ínfima escolha e alternam futuros essencialmente prováveis, ainda que potencialmente válidos no sentido de sua efetivação.

Em muitos aspectos, o traçado que liga os pontos da rota se revela ambíguo, descrente de suas próprias vias, como se não soubesse exatamente aonde chegar. E na verdade não sabe mesmo, afinal não há como se deter diante da realidade iminente, aquela que transparece assustadoramente após a próxima curva, lembrando-nos que o domínio se restringe ao momento presente, estático, ainda que determinante. A parte boa é que sempre é possível dar a volta e fazer contornos; lá no fundo, talvez todos os caminhos nos levem de volta ao ponto de partida.

Reflexões sobre os porvires podem se configurar tanto como uma respiração rasa que estimula, como um sorver profundo que alimenta. Mas não afastam fantasmas que atormentam ou anjos noturnos que fazem sonhar, embora permitam cumplicidade com o que há de mais autêntico no âmago. Mas refletir pode doer, dilacerar a alma, o corpo, a rota... pode desviar caminhos e adentrar atalhos imprevistos. Mas pode também resgatar uma humanidade que se encontrava oculta entre as folhagens do selvagem jardim atrás da própria casa ou das rotas polares do destino, lá longe onde pode não haver orientação possível ou pelo menos precisa... onde pode não haver absolutamente nada, apenas o branco ensurdecedor de um grito ecoado pela alma.

A opção possível talvez seja simplesmente aquietar, avizinhando momentos de solidão, resvalando neles como reflexos que se fazem presentes sem obviamente estarem lá; como se a vontade de fluir e estar no caminho fosse apenas o que importa, desviando das pedras persistentes ou transpondo os sulcos intensos na fronte das impressões que encantam e que por isso mesmo se tornam indeléveis. São as marcas extenuadas da emoção do percurso, que se encantaram com cada nuance desconhecida.

Mas eis que, às vezes, acontece de ser preciso interromper a andança e procurar refúgio na estrada, talvez até se esconder por entre silenciosas grutas convenientes e descansar. Ou apenas sentar e refletir sem pressões, exatamente para tornar o caminho mais curto para o amanhã efetivo, aquele onde as rotas colidem com sonhos.

Luana Tavares
Filósofa Clínica
Niterói/RJ

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