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Escrituras, desleituras, releituras I*

" Kafka, talvez sem o saber, sentiu que escrever é entregar-se ao incessante"

"A escrita automática tendia a suprimir as limitações, a suspender os intermediários,a rejeitar toda mediação, punha em contato a mão que escreve com algo de original"

"Quanto mais a inspiração é pura, mais aquele que penetra no espaço de sua atração, onde ele ouve o chamado mais próximo da origem, está despojado, como se a riqueza em que ele toca, essa superabundância da fonte, fosse também a extrema pobreza, fosse, sobretudo, a superabundância da recusa, fizesse dele o que não produz, o que vagueia no seio de uma ociosidade infinita"

"Para Kafka, a angústia, os contos inacabados, o tormento de uma vida perdida, de uma missão traída, cada dia convertido de que 'a metamorfose é ilegível, radicalmente fracassada'"

"A leitura do poema é o próprio poema, que se afirma obra na leitura, que, no espaço mantido aberto pelo leitor, dá nascimento à leitura que o acolhe, torna-se poder de ler, comunicação aberta entre o poder e a impossibilidade, entre o poder vinculado ao momento da leitura e a impossibilidade ligada ao momento da escrita"

"O escritor torna-se a intimidade nascente do leitor ainda infinitamente futuro"

"Pois esse movimento é também encorajado pela própria natureza da obra de arte, provém dessa profunda distância da obra em relação a si mesma, pela qual esta escapa sempre ao que é, parece definitivamente feita e, no entanto, inacabada, parece, na inquietação que a furta a toda a apreensão, tornar-se cúmplice das infinitas variações do devir"

"(...) é o artista. É o criador, diz-se. Criador de uma realidade nova, que abre no mundo um horizonte mais vasto, uma possibilidade de modo nenhum fechada mas tal que, pelo contrário, a realidade, sob todas as suas formas, encontra-se ampliada"

"Valéry diz muito bem que a mestria é o que permite nunca terminar o que se faz. Somente a mestria, o domínio do artesão se acaba no objeto que ele fabrica. A obra, para o artista, é sempre infinita, não finita, e daí o fato de que ela é, de que é absolutamente, esse evento singular desvenda-se como não pertencente à mestria da plena realização. É de uma outra ordem"

"O poema apaga-se diante do sagrado que denomina, é o silêncio que conduz à palavra o deus que fala nele - mas, sendo o divino indizível e sempre sem palavra, o poema, por causa do silêncio do deus que ele encerra na linguagem, é o que fala também como poema e o que se mostra, como obra, sem deixar de permanecer escondido"

"(...) abordagem do inapreensível (...)"

"(...) a arte, não imobilizada em suas realizações, mas recapturada nas metamorfoses que fazem das obras os momentos de uma duração própria e da arte o sentido sempre inacabado de um tal movimento"

"Leonardo da Vinci é um dos exemplos dessa paixão que quer elevar a obra à essência da arte e que, em última instância, só percebe em cada obra o momento insuficiente, o caminho de uma busca da qual também nós reconhecemos, nos quadros inacabados e como que abertos, a passagem que é agora a única obra essencial"

"O poeta está em exílio, está exilado da cidade, exilado das ocupações regulamentadas e das obrigações limitadas, do que é resultado, realidade apreensível, poder"

"Esse exílio que é o poema faz do poeta o errante, o sempre desgarrado, aquele que é privado da presença firme e da morada verdadeira"

"(...) designando essa região onde nada reside (...)"

"O poema é a ausência de resposta. O poeta é aquele que, pelo seu sacrifício, mantém em sua obra a questão aberta"

* Maurice Blanchot
1907 - 2003

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