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Filosofia: o ser, o conhecer, a linguagem*

A filosofia, conforme apresentado em Introdução ao pensar[i], é compreendida a partir de três elementos: o ser, o conhecer e a linguagem. Trata-se de instâncias que se complementam na experiência do filosofar. Sucintamente é necessário elucidá-los, sabendo que serão paulatinamente esclarecidos ao longo das reflexões que sucederão esta. Esses textos sucessivos são baseados no supracitado livro de Arcângelo Buzzi e são parte de um autoexercício de resenha, resumo e exposição de conteúdos alheios os quais nem sempre estarei de acordo.[ii]

Um conceito central e que serve de elo aos termos dessa reflexão é o pensar. “O homem é definido como ser que pensa ou animal que fala”[iii], ou seja, o pensamento e a fala, ou linguagem, são características marcadamente humanas. O homem que vive dentro do todo da realidade busca por meio do pensar expressar via linguagem essa realidade que se lhe desvela. Este é possível por meio dos entes, são por estes que há o acesso ao ser. O pensar e sua expressão pela fala resultam no que se denomina conhecimento. A filosofia é a que melhor revela essa realidade, pois:

“No conhecimento filosófico o pensamento ensaia uma radical compreensão da realidade. Pensar é pois filosofar. Filosofar não é ir para além, fora do real vivido. É um aproximar-se para mais perto do que se vive, é ir a sua raiz, é descobrir que aí lateja o espetáculo do ser. Filosofar é criar um mundo diferente, não fora, mas no concreto mundo de agora, desvelando-o precisamente como diferente, revelando-o no vigor latente, esquecido às vezes na faina da vida.”[iv]

O filósofo, portanto, se encontra dentro da realidade, vinculado à vida em íntima conexão com o todo e sua manifestação pelos entes que a desvelam, pensando-os e expressando por meio da linguagem. Desse modo, se dá o conhecimento filosófico. Assim, o filósofo não deve ser compreendido como aquele que se encontra à parte da realidade, observando-a de um lugar privilegiado. Pelo contrário: “O filósofo ambiciona colocar-se no centro do círculo da existência”.[v] Nesse círculo, elementos considerados opostos – bem e mal, afirmação e negação, etc. – são acessados pelo filósofo em vista de sua correspondência significativa, sua constituição e interconexão no todo.

Quando se expressa o exercer do filósofo vê-se que não há uma formulação prévia do que seja exatamente a filosofia. A razão disso é que somente é possível compreender a filosofia por meio do filosofar mesmo. Sua natureza é anterior a divisões (como foi supramencionado) inclusive a clássica divisão do âmbito teórico e prático. Filosofia, em sua origem etimológica se traduz por amor à sabedoria.

Entretanto, diferentemente das derivações teóricas do significado desse termo, o grego quando pronunciava philosophia já tinha a realidade a que queria se referir com o termo. Sabedoria deve ser compreendida no sentido do todo da realidade, o um. O “[...] um é a própria realidade, é sua identidade última presente e estranha ao pensamento”.[vi] Seu estranhamento é devido a sua não objetivação, daí a impossibilidade de ser abarcado pelo pensamento, sua imponderabilidade. “É o imponderável que dá ao pensamento a competência de ponderar o que acontece em síntese significativa”.[vii]

A filosofia, portanto, não é desligada da vida. O filosofar é o ato de buscar a significação íntima do ser, em vista de trazer a realidade ao conhecimento, em sua característica específica que é a interconexão de todos os entes e opostos em um todo. Assim sendo, ser e pensar como instâncias inerentes à vida, são visadas no filosofar em proveito do homem. Ao contrário da retratação da realidade (feita pelos demais âmbitos do saber) que visa objetivar para explicar, a filosofia busca pensar a conexão interna das coisas no todo que a constitui.[viii]

Uma vez que a filosofia é intrínseca a vida, o filósofo só o é na medida em que vive, participa da vida. Em comunidades camponesas (hoje raras) que não tem acesso, por exemplo, a uma balança, o peso é visto pelo sentir do produto pesando-o na mão. O costume e a vivência demonstram certa precisão nos resultados.

Por outro lado, uma balança, que representa essa mão que antes conferia o peso da mercadoria, já é um elemento mais distanciado do produto em sua relação com o manuseador do aparelho.

A diferença de ambos está na proximidade da vivência e relação do camponês, com o do utilizador do aparelho, neste houve um distanciamento que não se vê naquele. O mesmo pode ser visto na relação de um fazendeiro que vive de sua terra, e um corretor de imóveis que apreça a terra pela sua medida objetiva. É claro que se trata apenas de exemplos elucidativos. As questões são mais profundas.

O filósofo está mais próximo do camponês e do fazendeiro do que do medidor ou corretor. Sua pesquisa visa, como nesses casos, revelar o saber-ligado-à-coisa, voltado para o significado, em vista de exprimir a experiência mais originária que difere do conhecimento desligado dessas instâncias, mais funcionais e científicos.

Nessa esteira, a filosofia e a vida concreta não são se excluem, são intrínsecas. Mas, diferentemente de um fazendeiro ou camponês, o filósofo busca ver o que para eles a estrutura da própria vida se encarregou de velar. “A filosofia é apenas o tornar explícita a significação implicitamente vivida. É revelar a dinâmica da existência na qual o pensamento já está embalado”.[ix] E sua meta é acessar a radicalidade do que é vivido. Em síntese pode-se dizer que:

“Filosofar é pois um saber situar-se, em ver seu caminhar, um perceber o existir como solidariedade íntima do pensar e do ser e sua expressão em conceitos adequados, enunciados numa linguagem comunicativa.”[x]

*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG
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Bibliografia:

Resenha: BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecer, a linguagem. Petrópolis: Vozes, 1973, pp. 05-11.
[i] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecer, a linguagem. Petrópolis: Vozes, 1973.
[ii] Inicio 2013 com o primeiro texto de uma sequência sobre filosofia, baseado no livro de Arcângelo Buzzi. Em princípio, todas as ideias expostas serão baseadas na exposição do autor. Não pretendo, nesse primeiro momento, me posicionar. Intento compartilhar com vocês as impressões sobre esse escrito que, para mim, é um excelente início no caminho filosófico. Na medida em que for necessário, posso expor minhas opiniões. Mas, acredito que tendo mais fazer um exercício de resenha expondo o conteúdo.
[iii] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 05.
[iv] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 05.
[v] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 06.
[vi] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 07.
[vii] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 07.
[viii] “Imerge no âmago das coisas, mergulha no roldão da vida, vive a realidade por dentro, pensado-a em seu significado.” (BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 08).
[ix] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 08.
[x] BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar, 1973, p. 11.

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