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O SIM QUE VALE POR UM NÃO*

Vou iniciar contando uma piada antiga, a diferença entre o político e a mocinha. Quando o político diz “sim”, significa “talvez”. Quando fala “talvez”, quer dizer “não”, e quando diz “não”, deixa de ser político. Por outro lado, quando a mocinha diz “não”, tem o significado de “talvez”. Quando fala “talvez”, quer dizer “sim”, e quando diz “sim”, deixa de ser mocinha.

Sem entrar no mérito da piada, a intenção foi apenas ilustrar quantas vezes dizemos “sim”, quando na verdade gostaríamos de falar “não” e vice versa. Será que é mais fácil dizer um “sim” que um “não”? Dizer “sim” não demanda muitas explicações, mas dizer “não” quase sempre exige uma justificativa. Em tese, se você concordar e aceitar terá maiores chances de agradar e ser bem quisto pelos outros.

Por isto, algumas pessoas dizem “sim”, mas terminam agindo como um “não”. Você não queria ir à praia, mas não conseguiu recusar o convite. Vai mas fica emburrado o tempo todo, sequer pisa na areia. “Sim” verbalizado e “não” na atitude. O contrário também é verdadeiro. Você diz que não vai comprar mais nada até o final do ano, na outra semana chega em casa com uma linda bolsa adquirida por uma bagatela na liquidação. “Não” prometido e conduta de “sim”. Pode estar havendo uma espécie de conflito entre consciente e inconsciente que se manifesta por um engano entre o verbal e o comportamental.

Para evitar estas contradições, inventaram a palavra “talvez”, que não significa nem “sim”, nem “não”. Na verdade não significa nada. Você não sabe o que responder, então lança mão do “talvez”, que funciona como sinônimo de não sei, tanto faz, é possível. O que é pior, escutar um “sim” que significa “não” ou um “talvez” que não significa nada?

A chave para esta questão está na coerência entre intenção, atitude e verbo. Os três precisam estar alinhados. Imagine como seria fácil se o “sim” e o “não” exprimissem exatamente aquilo que cada um pensa, sente ou fala e somente fossem ditos nestas condições. A piada da mocinha e do político não existiria e as relações seriam bem mais tranqüilas.

Ao “talvez” sobrariam então apenas aquelas situações específicas onde em determinado momento estaríamos convictos de um “não”, mas acenaríamos com a possibilidade de se transformar em um “sim” futuramente. Hoje o prisioneiro não tem liberdade, mas se houver bom comportamento, talvez possa sair da prisão.

“Sim” ou “não” são afirmativas e negações que mudam toda uma existência e não devem ser ditos sem convicção. Precisam demonstrar firmeza, certeza, clareza, segurança. “Sim”, aceito casar com você. “Sim”, você foi aprovado. “Não”, vou largar este emprego. O talvez é inútil, serve só para fragilizar nossa auto-estima.

Não existe um número perfeito, um equilíbrio ideal entre “sim” e “não” ao longo da vida. Certamente serão muitos, e precisam ser bem mais numerosos que as incertezas do “talvez”. “Sim” e “não” precisam ser sinceros, mas necessariamente não precisam ser eternos. Que assim seja!

*Ildo Meyer
Médico, escritor, filósofo clínico
Porto Alegre/RS

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