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O tempo que resta***



"O tempo que resta" é um dos últimos filmes a que assisti. É francês e mostra os meses finais de vida de um jovem fotógrafo que descobre sofrer de um tipo de câncer já em processo de metástase. O filme é sensível, triste e tem aquele tempo e tom especialíssimos que só os europeus sabem imprimir nas produções cinematográficas.

Em alguma medida, "O tempo que resta" lembra outro filme: "O poder além da vida". Este fala também de um jovem que precisa encarar a morte ou a vida depois de sofrer um acidente de trânsito enquanto se prepara para participar das olimpíadas. Com os movimentos limitados, se vê obrigado a deixar para trás a vida de noitadas, mulheres e bebidas, contando com o auxílio e inspiração de um senhor que o jovem apelida de "Sócrates".

A diferença das duas obras é que, no primeiro caso, o personagem principal desiste de viver e, no segundo, a tragédia serve como divisor de águas na trajetória do jovem, convidando-o a adotar valores e princípios mais elevados. Impossível não se sensibilizar tanto com uma como com outra obra e não por acaso lembro imediatamente de uma amiga que se diz ateia e que teme o acontecimento de uma grande tragédia na própria vida para que nela desperte a consciência sobre a existência de Deus.

Afora argumentos religiosos ou espiritualistas sobre a existência ou não de uma divindade, fato é que, para grande parte das pessoas, é necessária uma dor imensa ou perda para que atente para o lado bom da vida. São inúmeros os relatos de pessoas que perceberam o modo de vida maluco que levavam só depois de um impacto emocional violento.

Lembro que, ainda na adolescência, considerando que pretendo viver pelo menos 80 anos, calculei quantos dias de vida me restavam. Surpresa, cheguei à conclusão de que era muita coisa para apenas cumprir o ciclo de nascer, crescer, reproduzir e morrer, ocupando boa parte da vida produtiva para acumular bens e recursos que seriam gastos na terceira idade, para tratar doenças decorrentes de um modo de vida inadequado.

Desde então não espero notícias ou fatos ruins, muito embora eles tenham acontecido, para viver aquelas coisas simples do cotidiano que tanto bem fazem ao físico, ao emocional e espiritual. Tento me convencer de que este é o jeito novo de viver, o jeito de uma nova era, mais iluminada e feliz, e, na minha fantasia feita realidade é assim mesmo. Independente do tempo que mes resta, é uma tentativa de potencializar o poder de viver.

*Sandra Veroneze
Jornalista, filósofa clínica
Porto Alegre/RS

**Texto integrante da obra "Eternidade ou infinito", publicada pela Editora Pragmatha

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