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Mostrando postagens de abril, 2013
Timidez* Basta-me um pequeno gesto, feito de longe e de leve, para que venhas comigo e eu para sempre te leve… - mas só esse eu não farei. Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes… - palavra que não direi. Para que tu me adivinhes, entre os ventos taciturnos, apago meus pensamentos, ponho vestidos noturnos, - que amargamente inventei. E, enquanto não me descobres, os mundos vão navegando nos ares certos do tempo, até não se sabe quando… e um dia me acabarei. *Cecília Meireles
OS PROJETOS* Sozinho, passeando em um grande parque, ele dizia para si mesmo: “Como ela ficaria bela em seu vestido real, complicado e faustoso, descendo, através da atmosfera de uma bela tarde, os degraus de mármore de um palácio diante de grandes gramados e laguinhos! Porque ela tem, naturalmente, o ar de uma princesa.” Passando, mais tarde, por uma rua, ele parou diante de uma loja de gravuras e encontrando numa pasta uma estampa representando uma paisagem tropical. se disse: “Não! Não é num palácio que eu desejaria possuir sua querida vida. Nós não estaríamos em casa. Porque em suas paredes incrustadas de ouro não haveria lugar para pendurar o seu retrato; naquelas solenes galerias não existiriam recantos para nossa intimidade. Decididamente, é lá que é preciso ficar para cultivar o sonho de minha vida.” E, analisando com os olhos todos os detalhes da gravura, ele continuou, mentalmente: “À beira-mar, uma bela cabana de madeira, cercada por todas essas árvores bizarras e lu
O Poeta é Belo* O poeta é belo como o Taj-Mahal feito de renda e mármore e serenidade O poeta é belo como o imprevisto perfil de uma árvore ao primeiro relâmpago da tempestade O poeta é belo porque os seus farrapos são do tecido da eternidade *Mário Quintana
meus olhos correm horizonte brumoso rio esconde navegantes som chega anunciando naus fantasmas deslizes secretos "piratas" aguardam pleno sol... Idalina Krause Filósofa Clínica Porto Alegre/RS
Talvez* Talvez não ser, é ser sem que tu sejas, sem que vás cortando o meio dia com uma flor azul, sem que caminhes mais tarde pela névoa e pelos tijolos, sem essa luz que levas na mão que, talvez, outros não verão dourada, que talvez ninguém soube que crescia como a origem vermelha da rosa, sem que sejas, enfim, sem que viesses brusca, incitante conhecer a minha vida, rajada de roseira, trigo do vento, E desde então, sou porque tu és E desde então és sou e somos… E por amor Serei… Serás… Seremos… *Pablo Neruda
Lua Sol_25 abril 2013* E eis que seu parceiro chega. Mas ela rodopiou tanto entremundos que deve saber da necessidade de um tempo para aterrissar e concebê-lo. E não é sempre dessa forma tão próxima que essa visita acontece. Ele agora está aí, bem ao seu lado. A torcida é para que uma dialética acorra. Numa tradução literal do grego διαλεκτική ou do latim dialectĭca ou dialectĭce = caminho entre as ideias. É também como aquele antibiótico que, após a segunda ou terceira dose, já faz com que os sintomas sejam quase inexistentes. Chega essa força solar e gera maior luz nesta Lua. Mas, a princípio, não recebemos de forma fluente ou tranquila essa claridade, já que nitidamente cegante. Talvez também por falta de costume ou proximidade. Mas não há como não aceitá-la, pois ela caminha entre as ideias, em uma dança possível somente por esta Lua Sol. Há muito na natureza que nos escapa. Isto se reflete na sequência de signos e números em que, o anterior sempre apresenta algo bem difere
Encantador de Jardins* Queridos leitores, paz! Era uma vez um senhor muito sonhador. Sonhou com sua casa com grama, árvores frutíferas, vários jardins. Tanto sonhou que, um dia, conseguiu realizar o seu intento. A grama era um tapete sob seus pés, as árvores frutíferas no pomar exalavam cheiros de frutas e de flores. Nos jardins, ele cultivava diversos tipos de flores das mais variadas cores. Flores rasteiras e pequenas, flores grandes e com arbusto. Flores brancas, vermelhas, rosas, amarelas, lilás e roxas. Tudo aquilo gerou um fato novo talvez não previsto em seus sonhos. Vieram alguns pássaros, dezenas, e aos poucos eram centenas, e há quem diga que apareceram milhares deles. Diante de tamanha surpresa, ele começou a apedrejar os pequenos animaizinhos. Em alguns, as pedras foram longe, em outros, as pedras passaram de raspão, em outros, elas acertaram em cheio, comprometendo o voo de retorno ao ninho, onde alimentariam seus filhotes. Todas as pessoas que observavam aquel
Liberdade* Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro pra ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. O sol doira Sem literatura. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa… Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha quer não! Grande é a poesia, a bondade e as danças… Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca. *Fernando Pessoa
Poetando* Fui poesia quando não podia ser vida enquanto diziam que eu fazia poesia da vida. Assim, me amaram nos textos, mas neles eu sublimava. Fazia os personagens dos filmes, sorria por dentro, chorava na carne. E um dia, de tanto papel escrito empilhado, a poesia se materializou. Pensamentos repetidos se fizeram coisas e junto às coisas apareceram pessoas. Junto com as coreografias que imaginei para a bailarina, de sapatilha em ponta e tutu de tule, me apresentaram o espetáculo com cenário de luzes a céu aberto. Assim, há chance para recompor a identidade; Talvez não seja Marte, Mas uma outra vida. *Vânia Dantas Filosofa Clínica Brasília/DF
DESCULPA LETÍCIA* Estava noivo, casamento marcado para o mês seguinte, quando fui abordado por uma namorada da adolescência, pedindo que abandonasse todos os planos e voltasse para ela. Parece até enredo de novela mexicana, mas a vida nos reserva surpresas que superam a ficção. Sabe aquela fase em que você está apaixonado, só tem olhos para sua amada, decoram juntos o apartamento onde vão morar, planejam detalhes da festa de casamento, entregam convites e sonham acordados com a lua de mel? Neste clima surge a Letícia jogando areia, propondo terminar meu casamento e re-iniciar um romance antigo. Havíamos namorado durante quase cinco anos. Foi um namoro ótimo, até o dia em que o pai dela foi transferido para outro estado e a família o acompanhou. Trocamos cartas com juras de amor durante um tempo, mas a distância foi nos afastando até que perdemos totalmente o contato. Quase dez anos sem noticias, para agora receber este furo de reportagem dizendo que sou o amor de sua vida e que
Apontamentos, poéticas noturnas XIV* Com licença poética Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. *Adélia Prado
Mozarts e Saliéris* Existe um tema quase invisível, talvez por seu teor ideológico: o convívio professor- aluno (destaque), ao qual ofereço algumas reflexões. Numa relação conturbada, muitos mestres, no convívio com seus alunos de maior competência, buscam desmerecê-los. Em uma sucessão de atitudes contraditórias: algumas vezes hostis outras elogiosas, propõe alijar o aluno de algo que lhe pertence. O crime deste? Ter habilidades e talentos singulares na disciplina do professor, muitas vezes até, ultrapassando os limites dos seus ensinamentos. A história nos ajuda a recordar o teor clássico do tema. Na premiada peça de teatro Amadeus de Peter Shaffer (1979), inspiradora do filme Amadeus de Milos Forman (1984), ganhador de vários prêmios, se vê retratado um período da vida e a convivência de Antonio Saliéri e Wolfgang Amadeus Mozart. No filme aparece um Saliéri, compositor italiano, integrante da corte de José II da Áustria como um mestre competente. Professor de gênios c
Apontamentos, poéticas noturnas XIII* Subversiva A poesia Quando chega Não respeita nada. Nem pai nem mãe. Quando ela chega De qualquer de seus abismos Desconhece o Estado e a Sociedade Civil Infringe o Código de Águas Relincha Como puta Nova Em frente ao Palácio da Alvorada. E só depois Reconsidera: beija Nos olhos os que ganham mal Embala no colo Os que têm sede de felicidade E de justiça. E promete incendiar o país. * Ferreira Gullar
Incertezas* Hoje estava pensando em como é difícil viver nesse mundo repleto de incertezas de um constante vai e vem por todos os lados. Sentei em um bar – sim, porque à beira do caminho é só para os literatos – para tomar um chope e pensar na vida. Recentemente, li um livro de um filósofo brasileiro chamado Mário Sergio Cortella que nos coloca muitas inquietações. O livro se chama Qual a tua obra? e eu me peguei pensando nisso enquanto tomava minha gelada. Confesso que não consegui pensar em nada... Só via pessoas indo e vindo em um frenesi que toma conta hoje de qualquer lugar no mundo – afinal, somos mais de 7 bilhões de destruidores do meio ambiente. Ainda absorto em meus pensamentos o olhando fixamente para o nada, comecei a pensar que poderia estar ficando maluco e que poderia estar sendo acometido pela doença dos grandes filósofos, assim como Nietzsche: a loucura. Sim! Porque nada faz sentido! As pessoas passando, de um lado para o outro, os ônibus e os carros – aliás, j
Texto de consulta * A página branca indicará o discurso Ou a supressão o discurso? A página branca aumenta a coisa Ou ainda diminui o mínimo? O poema é o texto? O poeta? O poema é o texto + o poeta? O poema é o poeta - o texto? O texto é o contexto do poeta Ou o poeta o contexto do texto? O texto visível é o texto total O antetexto o antitexto Ou as ruínas do texto? O texto abole Cria Ou restaura? O texto deriva do operador do texto Ou da coletividade — texto? O texto é manipulado Pelo operador (ótico) Pelo operador (cirurgião) Ou pelo ótico-cirurgião? O texto é dado Ou dador? O texto é objeto concreto Abstrato Ou concretoabstrato? O texto quando escreve Escreve Ou foi escrito Reescrito? O texto será reescrito Pelo tipógrafo / o leitor / o crítico; Pela roda do tempo? Sofre o operador: O tipógrafo trunca o texto. Melhor mandar à oficina O texto já truncado. A palavra cria o real? O real cria a palavra? Mais difícil de aferrar: Real
O poder das palavras...* Existem palavras caras, outras baratas, outras bonitas e outras sem graça. A palavra "graça" não tem a menor graça! É vazia, fria, triste... Já a palavra "triste" é pomposa, forte, elegante, robusta! Sinto até vontade de falar... Oh! Que triste dia... A palavra "alegria" em compensação trás muita satisfação, não sei se pela pronúncia ou por sua vibração. O que sei, que no campo do saber é quase nada, são que existem palavras que são mais belas e sofisticadas que outras e que por isso costumam ser expressadas. Entretanto, eu procuro me certificar de todas as palavras utilizadas por mim, pois um simples "oi" pode ter vários significados. E, como significamos as coisas!!! Percebo que uma mesma palavra proferida por mim pode ter um significado totalmente invertido ou truncado para um outro... Amo muito todas as palavras, são elas que preenchem meu vazio quando nada mais vale por perto. Eu escrevo e relaxo...
Apontamentos, poéticas noturnas XII* AS MULTIDÕES Não é dado a todo o mundo tomar um banho de multidão: gozar da presença das massas populares é uma arte. E somente ele pode fazer, às expensas do gênero humano, uma festa de vitalidade, a quem urna fada insuflou em seu berço o gosto da fantasia e da máscara, o ódio ao domicílio e a paixão por viagens. Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio de uma multidão ocupadíssima. O poeta goza desse incomparável privilégio que é o de ser ele mesmo e um outro. Como essas almas errantes que procuram um corpo, ele entra, quando quer, no personagem de qualquer um. Só para ele tudo está vago; e se certos lugares lhe parecem fechados é que, a seu ver, não valem a pena ser visitados. O passeador solitário e pensativo goza de uma singular embriaguez desta comunhão universal. Aquele que desposa a massa conhece os prazeres febris dos quais serão
Ser Amigo é...* Saber ouvir os silêncios da alma, expresso em olhares, gestos, sorrisos, lágrimas... É falar quando for preciso sem medo de ser mal interpretado. Pois no fundo do coração, um verdadeiro amigo sabe que somente quem se preocupa com ele tem a coragem de falar a verdade. Acolher os medos reais ou ilusórios. O medo sempre é maior quando estamos sozinhos diante dele. A presença de um amigo sincero do lado torna a vida mais fácil de ser compreendida. Quem descobriu no sorriso de um amigo o antídoto para seus medos, encontrou um companheiro para a vida toda. Se alegrar com as conquistas do outro. Muito mais difícil do que acolher uma dor é se alegrar com as vitórias que não são nossas. Muitos sabem ser solidários na dor, mas incapazes de se alegrar com a felicidade de outros. Cultivar a amizade em pequenos gestos. Um “oi”, ou simplesmente um sorriso, um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” podem fazer grande diferença na vida de alguém. Amizade que não se cuida, morr
Apontamentos, poéticas noturnas XI* Canção de Outono O outono toca realejo No pátio da minha vida. Velha canção, sempre a mesma, Sob a vidraça descida… Tristeza? Encanto? Desejo? Como é possível sabê-lo? Um gozo incerto e dorido De carícia a contrapelo… Partir, ó alma, que dizes? Colher as horas, em suma… Mas os caminhos do Outono Vão dar em parte nenhuma! *Mario Quintana
Apontamentos, poéticas noturnas X* Penetração do Poema das Sete Faces (A Carlos Drummond de Andrade) Ele entrou em mim sem cerimônias Meu amigo seu poema em mim se estabeleceu Na primeira fala eu já falava como se fosse meu O poema só existe quando pode ser do outro Quando cabe na vida do outro Sem serventia não há poesia não há poeta não há nada Há apenas frases e desabafos pessoais Me ouça, Carlos, choro toda vez que minha boca diz A letra que eu sei que você escreveu com lágrimas Te amo porque nunca nos vimos E me impressiono com o estupendo conhecimento Que temos um do outro Carlos, me escuta Você que dizem ter morrido Me ressuscitou ontem à tarde A mim a quem chamam viva Meu coração volta a ser uma remington disposta Aprendi outra vez com você A ouvir o barulho das montanhas A perceber o silêncio dos carros Ontem decorei um poema seu Em cinco minutos Agora dorme, Carlos. *Elisa Lucinda
Âncoras* 'Navegar é preciso; viver não é preciso' (Fernando Pessoa) Navegar e viver costumam ser desafios ao sabor dos ventos e das marés, como uma flecha lançada ao vento, sem rumo nem piedade, sem desculpas, sem destino, talvez só aquele que obstinadamente julgamos traçar. Não há garantias e pode não haver volta... e a cada movimento, entropicamente, detonamos o estoque de energia que nos foi reservado, sem nos darmos conta de que alguma coisa se esvaiu, de que algo precioso transmutou. Sabemos que emergimos do ventre e que vamos findar no ocaso da existência. O rio que corre entre essas duas margens, que por alguma razão somos impelidos a saltar, é que costuma fazer a diferença. Navegar é tão preciso quanto viver e viver é tão impreciso quanto navegar... uns se debatem sem alcançar suas ilhas distantes; outros buscam âncoras que os salvem daquilo que nem mesmo suspeitam, pois para ter qualquer migalha de conhecimento, virtude, experiência, ainda é preciso insistir e
Apontamentos, poéticas noturnas IX* Carta aos Pais “São Paulo, 12 de agosto de 1987. Querida mãe, querido pai, Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado. Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado. Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como “eu gosto de você”. Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue vivê-la. Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem co
Viver fora da caixa! Uma das perguntas comumente ouvidas num consultório é: “Doutor, isso é normal?” A pessoa que faz esta pergunta o faz para que alguém, no caso o terapeuta, possa lhe dizer se ela está ou não dentro dos padrões. O padrão é uma medida associada ao que está ao se redor, por exemplo, hoje é um padrão pagar pelo trabalho de alguém, quem não o faz está cometendo um crime, salvo as exceções para este exemplo. Entretanto, há pouco mais de cem anos o padrão era comprar alguém que fazia os trabalhos de uma casa, ou seja, era padrão ter escravos em casa. O padrão é portanto uma medida que toma por base o que tem ao seu redor. O padrão serve muito bem para questões práticas, para calcular o valor de um carro, para saber se o salário é adequado, para ver se o espaço de moradia está de acordo com a região onde se mora. Mas medir uma pessoa aquilo que há ao seu redor é a pior forma de se fazer isso. Diferente de um carro, o salário e até mesmo a moradia, uma pessoa apresen
Apontamentos, poéticas noturnas VIII* Marginal é quem escreve à margem, deixando branca a página para que a paisagem passe e deixe tudo claro à sua passagem. Marginal, escrever na entrelinha, sem nunca saber direito quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. * Paulo Leminski 1944 - 1989
Sobre a solidão* Se eu perguntar o que é solidão, o que você me responderá? Talvez que solidão é se retrair em seu quarto, se afastar de pessoas, coisas, lugares, ocasiões. Ou que solidão é sentir-se sozinho ou sozinha, mesmo que em meio de um tumulto de gente. Quem sabe, ainda, que nunca se percebeu em um estado assim. Enfim, são tantas as possibilidades de resposta, visto que não existe uma definição universal para este fenômeno. Nos dicionários encontramos como sinônimo de afastamento, distanciamento, isolamento. Isso, além de outros aspectos sociais, é indicativo que, em nossa época, a solidão é vista com maus olhos. Se a solidão for, de fato, algo doloroso para a pessoa, ela deve receber atenção adequada no sentido de tentar alterar o que está se passando. Mas se for verificado que a solidão é apenas um indicativo do modo de ser da pessoa, ou de um determinado papel existencial dela, não temos que tentar mudar isso. Pode ocorrer, ainda, que o peso da solidão no todo da pess
CABELO É COISA DE MULHER* Quando o homem passa a viver ao lado de uma mulher, seu cabelo passa a ser dela. Vai dar palpites sobre o comprimento, tipo de corte, xampu, condicionador, freqüência de lavagens e até mesmo indicar o salão. Palpites são, na verdade, ordens. O homem, por mais atento que seja, dificilmente percebe quando a mulher muda o penteado ou corta as pontas. Não tem autoridade. Talvez contando minha história, possa alertar outros homens a consultar uma mulher antes de mexer em seus pelos. Foi em Atlântida, num verão dos anos 80, quando era moda “parafinar” as cabeças. Os jovens ficavam com os cabelos descoloridos e amarelados, como se houvessem sido queimados de tanto sol. Quis entrar nesta onda. O farmacêutico, muito solícito, explicou que aplicando água oxigenada nos cabelos, ou mais precisamente, um produto chamado Blondor, e depois se expondo ao sol, alcançaria a malandragem. A idéia era fazer surpresa para minha companheira. Antes de ir para a praia, f
Amor a primeira vista* Nós já acreditamos em amor a primeira vista. E hoje, depois de tanto estudar a vida e o amor, descobrimos até explicação cientifica para isto. Deus e as artimanhas de sua máquina de procriar nos pregando peças. Apaixonar-se no primeiro olhar, realmente é maravilhoso. Sentir o peito apertar, o coração acelerar, as mãos tremerem, compõe um conjunto de emoções e sensações que induzem pensar querer ficar para o resto da vida, até morrer, ao lado da outra pessoa. Entretanto há de se levar em conta que amar assim, com esta intensidade, também é possível depois de uma jornada de conhecimento do outro. Este “start” pode acontecer mais tarde, quando se pensa que está tudo sob controle. Quando se vê, não dá mais pra imaginar a sua vida sem aquela pessoa que a principio era apenas um passa tempo. Olhar, gostar, se encantar e se ver apaixonado, amando tudo que o outro tem, pode ser muito gratificante e, o mais importante, pode ser muito mais seguro a partir daí. Uma
Apontamentos, poéticas noturnas VII* Motivo Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada. *Cecília Meireles 1901 - 1964
Arqueologias do texto* “Os sonhos que viveram numa alma continuam a viver em suas obras.” Gaston Bachelard De onde vem e quem escreve aquilo que se escreve? Uma interrogação superposta busca dialogar com a estrutura das fontes. Tratativas para objetivar as franjas da subjetividade onde a concepção se faz autoria. Buscas por rascunhar a frequência existencial de onde o texto se faz contexto. Um devaneio parece se inspirar em narrativas inacabadas, como a própria essência de viver. Desse mirante intuitivo as regiões inexploradas sussurram dialetos ao reviver a letra desgastada pelo excesso interpretativo. Diante das antigas impressões um convite à admiração reaparece e inaugura o milagre da palavra reinventada. A leitura marginal contorna a intencionalidade primeira, transpõe a inclinação natural das representações do autor e ressurge como esboço em uma nova inscrição. Uma leitura_escritura assim pensada possui mensagens híbridas de versão interminável. O discurso

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