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DESCULPA LETÍCIA*



Estava noivo, casamento marcado para o mês seguinte, quando fui abordado por uma namorada da adolescência, pedindo que abandonasse todos os planos e voltasse para ela. Parece até enredo de novela mexicana, mas a vida nos reserva surpresas que superam a ficção.

Sabe aquela fase em que você está apaixonado, só tem olhos para sua amada, decoram juntos o apartamento onde vão morar, planejam detalhes da festa de casamento, entregam convites e sonham acordados com a lua de mel? Neste clima surge a Letícia jogando areia, propondo terminar meu casamento e re-iniciar um romance antigo.

Havíamos namorado durante quase cinco anos. Foi um namoro ótimo, até o dia em que o pai dela foi transferido para outro estado e a família o acompanhou. Trocamos cartas com juras de amor durante um tempo, mas a distância foi nos afastando até que perdemos totalmente o contato. Quase dez anos sem noticias, para agora receber este furo de reportagem dizendo que sou o amor de sua vida e que está disposta a largar tudo por mim.

Junto com ela, voltaram recordações, todas boas. As únicas lembranças tristes foram as lagrimas da despedida, que foram amenizadas na época com um mantra que nos prometemos repetir todos os dias: “Há sorrisos que dizem adeus e lágrimas que dizem até logo”.

Enquanto conversava, Letícia pegou minha mão e pude sentir de novo aquele toque familiar, até o perfume ainda era o mesmo. Eu é que havia mudado, mas não a ponto de ser insensível e não ser tocado pela sinceridade daquele apelo. Existem pessoas que entram em nossa vida, cumprem seu papel e vão embora, mas existem outras, muito poucas, que ficam pra sempre em algum cantinho de nosso coração. Letícia foi uma destas.

Estava decidido a casar, iniciar uma nova vida, não poderia ficar pensando na Letícia, nos bons momentos do passado e em sua disposição por recomeçar. Teria de colocar um ponto final em todas as vírgulas que sobraram. Será que conseguiria? Por outro lado, não podia desmanchar um casamento com a mulher que amava só porque uma namorada do passado caiu de pára-quedas dizendo que agora me queria. Também não podia ficar com as duas. Não tinha tempo de consultar um psiquiatra. Talvez um vidente.

A escolha precisava ser feita e só eu poderia fazê-la. A decisão estava em minhas mãos, ou melhor, em meu coração, que parecia ter crescido tanto, ficado tão forte, que apertava todo o peito. Não podia escolher o que sentir naquele momento, mas podia escolher o que fazer a respeito e sabia muito bem por onde começar.

Precisava urgentemente contar para meu melhor amigo, que por coincidência, afinidade, companheirismo e cumplicidade era a mulher com quem estava prestes a casar. Não podia esconder este segredo dela. Arriscava colocar tudo a perder, mas estranhamente, estava muito seguro e contei todos os detalhes. Como é que eu pude? Enquanto falava, ela também segurou minhas mãos, mas não conseguiu segurar nossas lágrimas. Chorando confessamos um ao outro, o que nossos corações sentiam.

Já estava decidido há muito tempo, e a escolha não havia sido feita pela razão. Amar alguém não é algo que se escolhe, acontece. Não existe certo ou errado, nem dia ou hora para acontecer. A única escolha que me restava era enxugar nossas lágrimas e dizer um adeus. Desculpa Letícia.

*Ildo Meyer
Médico, filósofo clínico, escritor, palestrante
Porto Alegre/RS

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