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O Iceberg Imaginário***


O iceberg nos atrai mais que o navio,
mesmo acabando com a viagem.
Mesmo pairando imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore revolto.

O iceberg nos atrai mais que o navio:
queremos esse chão vivo de neve,
mesmo com as velas do navio tombadas
qual neve indissoluta sobre a água.

Ó calmo campo flutuante,
sabes que um iceberg dorme em ti, e em breve
vai despertar e talvez pastar na tua neve?
Esta cena um marujo daria os olhos
pra ver. Esquece-se o navio. O iceberg
sobe e desce; seus píncaros de vidro
corrigem elípticas no céu.

Este cenário empresta a quem o pisa
uma retórica fácil. O pano leve
é levantado por cordas finíssimas
de aéreas espirais de neve.

Duelo de argúcia entre as alvas agulhas
e o sol. O seu peso o iceberg enfrenta
no palco instável e incerto onde se assenta.
É por dentro que o iceberg se faceta.

Tal como joias numa tumba
ele se salva para sempre, e adorna
só a si, talvez também as neves
que nos assombram tanto sobre o mar.

Adeus, adeus, dizemos, e o navio
segue viagem, e as ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um céu mais quente.

O iceberg seduz a alma
(pois os dois se inventam do quase invisível)
a vê-lo assim: concreto, ereto, indivisível.

*Elizabeth Bishop
**Lembrando o belíssimo filme 'Flores Raras'

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