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Os convites da poesia*



O poeta, ao se alimentar de poesia, reescreve cotidianos, ultrapassa os limites do espaço-tempo, reencontra ser e não-ser. Sua provisoriedade fugaz deixa vestígios por onde andou, versão translúcida a percorrer-se nos labirintos de sua subjetividade em movimento.

Não se sabe ao certo sobre a natureza desse convite: se é recordação, esquecimento ou pretextos outros. É possível ao sujeito desmerecer esses textos de origem difusa, no entanto, a atração irresistível da ótica precursora sobrevive em novo vocabulário, ainda que em cotidianos desmerecidos.

Uma sedução se oferece entremeios de recordar e registrar os ímpetos que a palavra tentou traduzir. A descrição parece colocar na ponta da caneta algo mais, nem sempre acessível aos rituais do pensamento.

Talvez os esboços da irrealidade aconteçam para que se consiga viver melhor. A estética que alimenta as fontes parece esparramar, generosamente, seu fluxo de versos numa poética a resignificar vicissitudes em dias de sol.

A poesia aprecia surgir de onde nada se espera. Ao surpreender-se numa quase imprópria autoria, anima tudo ao seu redor, oferece um transbordamento de sentimentos, sensações, ideias, estimula feitos subjuntivos, prosopopéias intraduzíveis.

O ser incompletude vivencia uma interseção com novas expressões para reescrever-se. Assim o universo inteiro cabe no viés de um instante. Para isso não se reivindica nada. Seu tudo não cabe no dizer, ainda que filosofia, pois se alimenta dos inéditos deslizes de algo por vir.

A característica de ser lembrança, intuição ou antecipação desimporta, pois é improvável estipular nome ao que vislumbra a luz do dia pela primeira vez, como um ser rarefeito a procura de janelas para espiar a vida.

*Hélio Strassburger

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