“Eu sou...” Depois
desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que
a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”:
as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa,
ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou
menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência.
Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial
que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo
disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se
dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo
acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de
semana são “professores fulanos”.
A ligação entre os
papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba
soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que ela acha dela mesma passa
a estar intimamente vinculada à sua atividade. É o caso do político que é
sempre político, até mesmo quando está com a esposa em casa não deixa de ser.
Vai ao bar conversar com os amigos e continua sendo político, ou seja, por mais
que mudem os lugares, as pessoas, os contextos, ainda assim ele será político.
O problema é que em alguns casos a vida política termina e quando isso acontece
a vida da pessoa também chega ao fim. Isso acontece porque ao chegar ao fim o
papel existencial de político também chega ao fim o que ele acha dele mesmo. Em
casos extremos a pessoa termina com a própria vida porque terminou a vida do
personagem que vivia.
O eu está indexado ao
personagem, colado, mas como desgrudar, caso isso seja necessário? Para
descolar e voltar a ser ou exercer os mais diversos personagens existem vários
caminhos. Um dos caminhos mais simples pode ser a partir da localização
existencial, quando se está em casa com a esposa o personagem é o esposo.
Quando está na fábrica com os colaboradores é o gerente, diretor, enfim, o
lugar pode servir de referências para os predicados que orientam as práticas do
personagem.
Aos poucos, ao prestar atenção ao lugar que está o “Eu” começa a
perceber quais são as práticas que tem a ver com o personagem que deve exercer.
Um exemplo são os pais que, quando saem de casa e encontram o filho gerenciando
a fábrica da qual são diretores lá se comportam como diretores e exigem do
filho uma postura de gerente.
Outra forma de descolar
o personagem do “Eu” é pelas pessoas com as quais se está em contato. Quando
estou com minha esposa em casa sou marido, devo me comportar como marido, mas
como saber quais são as práticas do marido? Se ele é marido, é provável que
exista uma esposa e esta pode conduzir a construção desse novo personagem, o
marido. O mesmo pode acontecer no restante dos papeis, eu posso aprender a ser
amigo, irmão, filho, neto. Não há nada de errado em ter um único personagem,
mas corre-se o risco de, ao terminar a vida deste personagem, terminar a vida
da pessoa por detrás dele.
A construção do Eu pode
passar por um ou mais personagens que exercemos, mas legar todo o meu “Eu” em
apenas um personagem é perder o carinho que só se recebe como filho. É perder
os méritos que se tem como marido, de sustentar, amar, cuidar de uma família.
Pode ser também deixar de aproveitar as pequenas e grandes farras que se faz só
com os amigos. Viver os mais diversos papeis pode ser tornar colorida uma vida
vivida em preto e branco.
*Rosemiro Sefstrom
Filósofo Clínico
Criciúma/SC
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