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Mostrando postagens de janeiro, 2014

A palavra indizível*

Esse texto busca aproximações com o teor discursivo contido em um não dizer. Trata-se de fenômenos refugiados antes da palavra compartilhável. Sua expressividade aprecia surgir na vizinhança do que se possa nomear.     Sua origem marginal reside na própria estrutura onde atua como sombra. Para surgir a luz do dia se utiliza de subterfúgios como: desrazão, delírio, devaneio. As tentativas de tradução, a partir do referencial especialista, costumam desqualificar sua autoria.   A história muito íntima de cada um, nas entrelinhas dos saltos temporais (por exemplo), é possível encontrar vestígios de sua existência. A matéria-prima da palavra indizível costuma se esconder na historicidade mal resolvida, nos apagões, deslizes, contradições. Esse universo pessoal de aspecto indizível é igual ou superior ao vocabulário reconhecido. O estudo dessa imensa região subjetiva pressupõe: - compreender os eventos da esteticidade - acolher os movimentos do silenciar - qualificar a interseção

Dor elegante*

Um homem com uma dor É muito mais elegante Caminha assim de lado Com se chegando atrasado Chegasse mais adiante Carrega o peso da dor Como se portasse medalhas Uma coroa, um milhão de dólares Ou coisa que os valha Ópios, édens, analgésicos Não me toquem nessa dor Ela é tudo o que me sobra Sofrer vai ser a minha última obra *Paulo Leminski

Perplexidades*

a parte mais efêmera de mim é esta consciência de que existo e todo o existir consiste nisto é estranho! e mais estranho ainda me é sabê-lo e saber que esta consciência dura menos que um fio de meu cabelo e mais estranho ainda que sabê-lo é que enquanto dura me é dado o infinito universo constelado de quatrilhões e quatrilhões de estrelas sendo que umas poucas delas posso vê-las fulgindo no presente do passado *Ferreira Gullar

Casa *

Aos poucos construo minha casa. Ela tem um telhado tradicional, grande varanda por toda a volta para driblar o calor excessivo dos dias maiores. Há passarinhos no final da tarde e a calma ali é muito grande; estamos bem e tranquilos. Nessa casa posso receber quem quero com o agrado que tiver: pedacinhos de pão para os gatos, água para as samambaias e os beija-flores. Sem dúvida, ali poderei discutir o que quiser com os colegas; falarei do que faço e planejarei um progresso contínuo deste ser, a partir da única vigilância que existirá: sobre a mente. Esta casa - de tão confortável, simples - está em meio à natureza, coisa que não existe tanto hoje. Atrás de nós há uma montanha bonita, arredondada estamos ao pé dela. Uns quilômetros aqui à frente está o mar. E ficamos um bocado sozinhos da civilização. Não há tecnologia que nos importune nem a necessidade de nos curvarmos a ela, que não nos salvará de nós mesmos. Alguns momen

Um título com medo*

Medo. Medo de escrever e não sair nada. Não rimar condão com fada. Não confrontar a metáfora com a ênclise, atrás da porta que acabei de grafar. Medo do til ter medo de altura, e transformar meu ão em um monossilábico ao, com a redução do o a u, uma semivogal. Medo do i não aceitar o pingo, e ao lado de um zero, formar uma facção de códigos binários. Medo do ar não entrar pelo fonema, e este nunca sair nasal. Medo do texto atonal. Medo da falta de rimas métricas e assimétricas. Medo de sequestro de letras.  Do papel em branco. Medo do silêncio do teclado. Do estado hiperbólico das sentenças. Morrer de medo. Estar aquém de um grande verso. Medo do reverso da poética. A metálica forma do medo. Medo de escrever plástico só por sua acepção. Medo das crases.  Dos acentos circunflexos, por não existirem os circônflacos. Medo dos flancos do dois pontos. Medo do assombro sem exclamação. Medo do não com ponto final. Do mal uso da cedilha. Das filhas da letra ésse quando se unem aos

Pensar como uma montanha*

Querido leitor, que você esteja bem.  Como sabemos, a montanha foi usada por muitas civilizações e continua assim até nossos dias. O filósofo, professor e montanhista Arne Naess, por exemplo, usou o termo "pense como uma montanha", para ressaltar sua crença de que devemos primeiro reconhecer que somos parte da natureza e não separados dela, se queremos evitar uma catástrofe ecológica. Corrobora com o que o ex-reitor da Unipaz, Pierre Weil, sempre defendeu como o grande paradigma de nossos dias, que é o paradigma da fragmentação. O ecologista Aldo Leopold em seu livro cujo título é “Pensar como uma Montanha”, também diz que devemos, inicialmente, pensar como uma montanha, reconhecendo não apenas nossas necessidades ou a dos seres humanos, mas as de todo o mundo natural, de todos os seres vivos.  Ele chegou a essa conclusão trabalhando como guarda florestal no início do século XX, quando atirou numa fêmea de lobo em uma montanha, e disse que alcançaram a ve

Pensamentos que reúnem um tema*

Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar, Na tranquilidade dos que esqueceram a memória E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar. Estou pensando nos que vivem a vida Na previsão do impossível E nos que esperam o céu Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível. Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões E nos poetas que correm indefinidamente Em busca da lucidez dos que possam atingir A festa dos sentidos nas simples emoções. Estou pensando num olhar profundo Que me revelou uma doce e estranha presença, Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias Não sentiram o seu mistério impenetrável, Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas Sem a companhia de um silêncio e de uma oração, Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar, Nas mulheres que correm mundo Distribuindo o sexo

Bipolar!*

Segundo o DSM IV a bipolaridade ou Transtorno Afetivo Bipolar tem como característica básica “a alteração de humor com episódios maníacos e depressivos ao longo da vida”. No que se refere à bipolaridade, a psiquiatria tem como base única para o entendimento do transtorno as alterações do humor.  Em Filosofia Clínica o humor está ligado ao tópico 04, as Emoções. Sendo assim, a bipolaridade pode ser entendida como a troca de conteúdos em um mesmo tópico, ou seja, ou estou emotivamente muito feliz (maníaco) ou estou emotivamente muito triste (depressivo).   Segundo o próprio DSM estas alterações episódicas se dão ao longo da vida, ou seja, tanto podem se dar em poucos minutos como podem levar muitos anos. Enfim, a alteração de qualidade das emoções faz com que uma pessoa possa ser considerada Bipolar pela psiquiatria. Não há aqui a intenção de concordar ou discordar com a nomenclatura ou o diagnóstico sintomático da bipolaridade, mas propor outros entendimentos. Até o mom

Manifesto*

Sim ao prazer sem custo. Acatar, beber, dividir o bom que venha feito o sol, gratuito. Quem sabe se o dom, o sem-razão e o sem-motivos possam mais do que exigimos. Nem se duvide do que é capaz a coincidência entre as coisas. Nesse mundo em que gênios são servos de si mesmos, pratique-se o descanso, para que o povo nunca esteja frio e o coração passeie seus cavalos. * Eucanaã Ferraz

Sou eu ou sou o outro?*

Há um trecho da música do Caetano Veloso que diz: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é”. Note que a frase afirma um conhecimento de si que não diz respeito ao outro. Podemos observar  que a ideia que a frase passa costuma estar presente num imaginário coletivo como um princípio de verdade. Mas, a filosofia clínica (FC) nos ensina que as coisas não são tão simples quanto parecem. Para melhor compreendermos esta questão, vamos nos remeter ao tópico da Estrutura de Pensamento (EP) denominado espacialidade intelectiva. A espacialidade intelectiva compreende nossos movimentos existenciais. Podemos apresentá-la em quatro possibilidades: inversão, recíproca de inversão, deslocamento curto e deslocamento longo. Inversão é quando a pessoa está intelectivamente voltada para si. A recíproca de inversão refere-se a quando nos deixamos envolver pelo que o outro está nos apresentando e nos colocamos a vivenciar, em alguma medida, seus relatos, suas experiências. O deslocamento curto

Agradecimento pelo acesso 90.000*

Queridos alunos, colegas, leitores, amigos, Esse breve rascunho tem o objetivo de agradecer os 90.000 acessos em nossos escassos três anos de vida. As leituras, releituras, partilhas em nosso blog. A ideia inicial desse espaço foi oferecer qualidade de textos, poemas, artigos, um complemento aos estudos em Filosofia Clínica. Para nossa surpresa e alegria, os acessos nacionais e internacionais (esses últimos já superam os nacionais, inclusive!) transgrediram os limites de qualquer expectativa. Aqui, as pessoas de vários pontos do planeta, tem qualificado nosso espaço artesanal. Um lugar de interseção sem discriminação de credo, raça, língua, essa casa é de todos nós! Aqui você será sempre muito bem vindo! Talvez essa característica tenha sido um diferencial, um aprendizado à todos que desejam trilhar os caminhos dos estudos, pesquisas, a formação em nossa área de trabalho. Uma gratidão imensa pela companhia imprescindível, a qual nos anima a continuar e qualifica

Fragmentos filosóficos, delirantes, poéticos*

“O poema filosófico canta, dança aos gritos orgiásticos de Dionísio... a filosofia poética encanta nas páginas livres da cadência literária... a música transborda o som da alquimia vivenciada... e na tríade simbólica da vida, correndo aos gritos insanos, perambulam a filosofia, a música e a poesia...” *Eduardo Silveira Filósofo, estudante de Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Atenção ao Sábado*

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. No sábado é que as formigas subiam pela pedra. Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho. De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana. Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é? No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde. Tem sido sábado, mas já

Fragmentos filosóficos, delirantes*

"Apesar de todos os medos, escolho a ousadia.Apesar dos ferros, construo a dura liberdade. Prefiro a loucura à realidade, e um par de asas tortas aos limites da comprovação e da segurança. Eu, (..........), sou assim. Pelo menos assim quero fazer: a que explode o ponto e arqueia a linha, e traça o contorno que ela mesma há de romper. A máscara do Arlequim não serve apenas para o proteger quando espreita a vida, mas concede-lhe o espaço de a reinventar. Desculpem, mas preciso lhes dizer: EU quero o delírio." *Lya Luft

Felicidade como semiose*

Há um tipo de mitificação que para se escrever belas palavras precisamos estar tristes, em crise ou deprimidos. Venho por meio de meus escritos quebrar esse "termo universal"! Destruir mesmo, detonar!!! Sinto o hoje tão mais belo porque estou feliz, contentada com minhas conquistas e realizações! Acredito cada vez mais no ser humano com ser pensante para o bem maior! Sinto o cheiro da noite invadindo meu quarto, percebo o conforto da minha cama e me sinto privilegiada! A vida está cada vez mais colorida na minha representação de mundo. No quesito, o que acho de mim mesma, sinto-me forte,  macia e segura.  Será que estou fora da linha da realidade da vida? Será que teimo em acreditar que a felicidade também pode ser produtiva e poética? Será que tudo que digo, por estar muito bem, se torna "lugar comum"? Será que eu deveria estar lendo Nietzsche, Sartre ou Wittgenstien para ser mais culta, e, portanto mais feliz? Qual o valor real da beleza das palavras?

A tartaruga que nos habita*

Quando comecei a correr, fazia por esporte. Mais tarde, descobri que além do benefício saúde física, a corrida me deixava tranqüilo, bem humorado e inspirado para a vida. Não sei explicar como funciona, mas a sensação que tenho é que à medida que me desloco para frente, as preocupações vão ficando para trás. Funciona como uma terapia alternativa. Se alguma ansiedade começa a incomodar, coloco o tênis, calção, boné e saio trotando. Troco percursos, inverto o sentido das ruas, acelero o passo, desço ladeiras. Preciso estar em movimento. Quase sempre, depois de uns 30 minutos de corrida, já me sinto bem melhor, sem apreensão alguma. Aproveitando esta experiência do bem estar promovido pela corrida, decidi fazer um movimento diferente. Uma viagem sem destino fixo, sem horários e sem data para voltar, com todas as estradas que o mundo oferece abertas. Meus únicos compromissos seriam deixar a vida me levar e dar espaço para as emoções escolherem o melhor camin

Agendamentos indevidos*

Hoje os especialistas dizem que vivemos a era da informação, cuja característica é o amplo acesso a informações difundidas em vários meios de divulgação. Mas, a quantidade e o fácil acesso não necessariamente significam uma vantagem. Quando não há um critério mínimo, os riscos são massivos.  Um exemplo do que chamo de risco, são as influências que determinadas informações exercem em nossa vida. Em filosofia clínica, denominamos de agendamentos toda e qualquer influência exercidas sobre nós. Há os agendamentos mínimos, quando não há tanto impacto em nossa Estrutura de Pensamento (EP), e os agendamentos máximos, quando trazem significativas influências em nossa EP, independentemente de serem qualitativamente boas ou ruins. Para exemplificar nossa consideração, tomemos três palavras que são cotidianamente expressadas, muitas vezes sem qualquer critério prévio: recalque, inconsciente e projeção. A palavra recalque hoje é muito expressada no meio midiático, popularizado

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