O título deste texto já nos remete
para uma pergunta comumente feita ao longo do curso de formação em Filosofia
Clínica (FC) e que, pela sua relevância, pretendo desenvolver brevemente.
No
referido curso, quando alguém é muito enfático para afirmar “sua verdade” sobre
alguma coisa, o professor olha para os demais alunos e pergunta: “De onde vem
essa fala?”. Ela se refere à fonte de nossas afirmações. E essas fontes podem
ser didaticamente compreendidas em dois sentidos: o da (1) historicidade formadora
do que somos e o do tópico de nossa (2) Estrutura de Pensamento (EP), que por
sua vez expressa como somos.
Quando afirmamos algo, seja pela
fala ou pelas crenças que nos levam a agir de determinado modo, muitas vezes
são convicções originadas das experiências adquiridas ao longo de nossa vida. A
lembrança que nos foi legada por nossos pais, parentes e pessoas próximas, que
diziam como era nossa família antes de nascermos, as primeiras lembranças da
infância, as experiências da adolescência e as da idade adulta; todas podem em
alguma medida ter nos construído.
Em FC chamamos essas influências, em maior ou
menor grau, de Agendamentos. Algumas podem ter tido mais força em nos
agendar do que outras.
Além do conteúdo do que nos
constitui, há algo que é apresentado formalmente pela FC a fim de compreender
como atua nossa EP. O termo “formal” remete ao fato de que na clínica
filosófica, nada sabemos da pessoa que antes não seja apresentada por ela
mesma. Assim, o método que dispomos tem conotação formal apenas a título de
meio de melhor compreender o que a pessoa nos diz.
Desse modo, quando alguém diz que
ama muito, não remetemos a palavra amor a qualquer possibilidade, por exemplo,
de síndrome obsessiva. O que a princípio
em clínica filosófica é um dado que nos tópicos da EP remete à emoções,
pode muitas vezes ser apenas um termo agendado no intelecto que pode
expressar, por exemplo, desde uma espécie de vício de linguagem corriqueiro até
algo que remete a um dado importante na formação das concepções e visões de
mundo da pessoa.
Em outras palavras, o que a FC nos propõe como tópicos da EP,
nada mais são do que balizas de auxílio. Terminologias como emoções e termos
agendados no intelecto nada expressam em si, mas referenciam elementos que
somente a pessoa, neste caso o partilhante, nos apresentou.
Vale lembrar que a FC não trabalha
com diagnósticos listados e/ou registrados em um texto oficial de consulta,
como o internacionalmente conhecido Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM).
Uma vez que a FC
trabalha com singularidade, não há como um diagnóstico dado a outra pessoa,
mesmo que as pesquisas afirmem ser comum a um grupo, ser atribuída a outra.
Cada pessoa é tratada como única e irrepetível desde os mais comparáveis e
hodiernos comportamentos até os mais extraordinários, aliás, para o filósofo
clínico, todo partilhante é um caso extraordinário. Assim, quando exemplifiquei
uma síndrome, foi somente a título do que comumente se atribui a alguém, não
havendo nenhuma referência à FC.
Então, temos a historicidade que em
si já é uma fonte fantástica de elementos para nossa compreensão da origem das
afirmações de alguém. Mas, também temos os tópicos da EP, que facilitam a organização formal de tudo o que
o partilhante pode nos trazer a fim de organizá-los e encontrar nos conflitos
entre tópicos e intra tópicos, meios de viabilizar um conforto existencial,
seja amenizando, sanando ou mantendo o conflito. Ou seja, é o partilhante quem
vai nos “ensinar” as possibilidades de viabilização de sua EP.
"De onde vem?”, portanto, é algo
mais complexo sob o ponto de vista da busca da fonte de nossas afirmações. Mas
é o meio mais, digamos, honesto de melhor abordar o que nós e nossos partilhantes
nos apresentam como desdobramentos de suas questões iniciais (assunto
imediato), a fim de juntos, ao modo de construção compartilhada, encontrar
caminhos para o bom andamento das questões finais (assunto último).
Assim, da próxima vez que em uma
conversa, seu interlocutor afirmar coisas que para você são absurdas, não seja
tão taxativo ao impor “sua verdade”. Pois, do mesmo modo em que a afirmação
alheia confrontou suas convicções, a do outro, se confrontada, pode lhe causar
um estrago na malha intelectiva.
Pode ser que aquela “verdade” seja o alicerce
que viabilizou a vida após um trauma. Pode ser muita coisa. Então, se for para
desconstruir uma “verdade” alheia, que haja propósito claro e ético, o que
mesmo assim diminui, mas não exime do risco de provocar movimentos internos
inesperados. Aliás, o que podemos esperar quando se trata de qualquer coisa na
vida? Portanto, cuidado.
E, agora, de onde vem tudo o
que escrevi acima? Veio dos agendamentos feitos nas aulas, encontros,
conversas, leituras, vídeos, áudios, atendimentos e estágios que por meio do
tópico da minha EP chamado epistemologia permitiu que eu aprendesse e
continuo aprendendo e expressando pelo submodo, comumente utilizado por mim
denominado semiose que, neste caso, é a escrita.
*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo, Mestre em Filosofia, Doutorando em Filosofia da Religião, Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG
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