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Amores Modernos*


Indivíduos realizados, alegres e com vidas próprias, compõe casais mais interessantes, interagentes, interativos.

É bom pensar que uma característica marcante do amor é a clara percepção do outro, e o cuidado em não frustrá-lo nem coagi-lo gratuitamente.

Indivíduos realizados, alegres e com vidas próprias, compõe casais mais interessantes, interagentes, interativos.

Tentar impedir que o outro se cuide fisicamente, que estude, que dance, que jogue bola, para não correr o risco dele se interessar por alguém em uma dessas oportunidades, empobrece a relação, limitando a mente e o corpo. Tolhe a libido, inibe o desejo sincero e a vontade de impressionar o parceiro se fazendo atraente.
A insegurança e o não permitir que o outro evolua, respire e viva, faz com que os casais fiquem atrofiados, sem papo, sem entrosamento e sem graça.

… mas se o outro der claras mostras de querer estar sozinho, lá se vão todas as declarações de compreensão, maturidade, responsabilidade, diz Gaiarsa em A família de que se fala e a família de que se sofre.

Um casal deve poder manifestar autenticidade, personalidade e encontrar no parceiro um grande amigo capaz até de não julgar comportamentos desmedidos que expressam raiva, ou ciúmes ou fraqueza perante a vida. Confiar na integridade e educação da pessoa que escolheu para amar pode facilitar bem o convívio e evitar embates, muitas vezes desnecessários e capazes de trincar um amor para sempre abrindo portas para uma relação duradoura, porém hipócrita.

Existe hoje, uma urgência em ser feliz. As pessoas estão abrindo mão de seus sonhos de amor eterno, brincando de casinha e de formar família. Subjuga-se o companheiro ou a família sentindo-se merecedor de uma vida nova ou de aventuras que renovem suas energias e que promovam alegrias fora do contexto conjugal sem nenhuma cerimônia. Não sabemos esperar o tempo das fases, do desamor momentâneo do crescimento dos filhos, do amadurecimento do ser amado. Não amamos.

Contudo, apesar de os tempos parecerem ser “líquidos” porque tudo está mudando muito rapidamente, ainda assim, acreditar que o amor pode durar, pode ser “sólido”, evitando a paranoia com a segurança e a instabilidade dos relacionamentos amorosos, pode ser gratificante. Lutar por uma causa nobre e vencer, sempre é gratificante.

Existe um desespero no homem pós-moderno, e ele corre em busca do novo, do mais emocionante, da resposta imediata aos seus anseios por amor, do amor que ele tanto quer ter e paradoxalmente deve negar. Ele quer amar e se libertar.

Muitos casais modernos ainda vivem fundamentados em conceitos morais, em valores sociais e religiosos que impõe a permanência na união mesmo que vivam em celibato involuntário por anos, por uma vida a fio, desde que aparentemente a família seja feliz. E não tem idade para que este fato seja observado. Casais jovens já vivem dessa maneira.

A obrigação pelas leis judaico-cristãs e pela imposição social e econômica criam casamentos como eventos sociais que hoje estão muito na moda. Os casamentos interesseiros, também. Famílias abastadas ainda se unem para solidificar patrimônio e status social. Mas, o casal que se ama, que é feliz de verdade, esse sim, gera harmonia familiar e tem força para permanecer juntos. 

Uma união estável deve ser de verdade, por escolha e determinação do casal que vai compartilhar dias de suas preciosas vidas. Deve ter prazer e beleza.

Mas, e quando desistem? É muito improvável que alguém deixe alguém porque ele ficou gordo, ou se acidentou ou adoeceu ou tem alguma limitação física. Ou ficou pobre, ou velho ou impotente sexualmente. O que pode fazer com que o saudável não consiga permanecer na relação é o fato de o doente, não administrar bem a sua condição, viver em drama e se tornar um grande chato, inconveniente. Neste caso, quem lutava de alguma forma para se manter reto, diante de tanta desilusão, pode sucumbir a instancias mais leves alegres, saudáveis e belas. Pode até preferir a solidão.

Então, qual seria a ideia para uma possível vida a dois, já que entendemos que precisamos disso para ser felizes.

Talvez, esperar o tempo dos ajustes, do passar a gostar, do passar a amar, do querer agradar. Saber onde são mais compatíveis, traçar afinidades.

Não se obrigar, amar sem esperar recompensas, não cobrar, não desejar promover mudanças no outro, não criticar destrutivamente. Aceitar o parceiro como ele é, sem expectativas irreais.

Não abnegar do sexo quando gozar de boa saúde, condenando o parceiro à solidão conjugal. Ser sincero e manifestar a insatisfação evitando manter-se em um silencio criminoso capaz de dilacerar a relação.

Tornar-se um indivíduo inteiro, feliz e realizado promovendo a autoestima e a segurança, fatores que somam sobremaneira para uma relação saudável.

Não trair. Trabalhar em favor da união. Não pensar e não falar mal do “amado” aos quatro ventos. Você ama de verdade?

Libertar, incentivar, confiar.

Estas atitudes deveriam ser pensadas no tempo da conquista e podem ser adotadas no tempo da reconquista, mesmo depois de se perderem e de fazerem um monte de bobagens até se separarem, ainda que se amando. Acontece com frequência.

“Todos os amantes desejam suavizar, extirpar e expugnar a exasperadora e irritante alteridade que os separa daqueles a que amam. Separar-se do ser amado é o maior medo do amante, e muitos fariam qualquer coisa para se livrarem de uma vez por todas do espectro da despedida. Que melhor maneira de atingir este objetivo do que transformar o amado numa parte inseparável do amante? Aonde eu for você também vai; o que eu faço você também faz; o que eu aceito você também aceita; o que me ofende também ofende você. Se você não é nem pode ser meu gêmeo siamês, seja o meu clone!”

Zygmunt Bauman

*Jussara Hadadd
Terapeuta sexual, filósofa clínica
Juiz de Fora/MG

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