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Mostrando postagens de março, 2014

A clínica do filósofo*

"Qual é esse projeto secreto, inacessivel e inexistente cuja pressão constante se exerce, de fato, sobre os homens, e particularmente sobre os homens problemáticos, os criadores, os intelectuais, que estão, a cada instante, como que disponíveis e perigosamente novos ?"                      Maurice Blanchot Venho pensando sobre o lugar onde a clínica acontece. Não o endereço físico do consultório, seja ele na beira da praia, um café, entre quatro paredes. Essas investidas tentam dar visibilidade ao território onde a imaginação se realiza. Talvez uma transcendência ao esboço dos propósitos, seus contornos, as derivações, os significados.   Essa inquietude sobre as dialéticas do instante terapêutico, busca pensar sobre a natureza dessas estéticas distanciadas da razão comum. A própria eficácia das sessões é refém desse vazio à espera de preenchimento. Nesse vislumbre de foco caleidoscópio, o filósofo clínico exercita sua arte cuidadora. Um perambular aprendiz desloca-se

Incompletudes*

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. *Manoel de Barros

És tu o teu próprio negreiro*

“Comecemos pelo Zé Ninguém que habita em mim: Durante vinte e cinco anos tomei a defesa, em palavras e por escrito, do direito do homem comum à felicidade neste mundo; acusei-te pois da incapacidade de agarrar o que te pertence, de preservar o que conquistaste nas sangrentas barricadas de Paris e Viena, na luta pela Independência americana ou na revolução russa. Paris foi dar a Pétain e Laval, Viena a Hitler, a tua Rússia a Stalin, e a tua América bem poderia conduzir a um regime KKK – Ku-Klux-Klan. Sabes melhor lutar pela tua liberdade que preservá-la para ti e para os outros. Isto eu sempre soube. O que não entendia, porém, era porque de cada vez que tentavas penosamente arrastar-te para fora de um lameiro acabavas por cair noutra ainda pior. Depois, pouco a pouco, às apalpadelas e olhando prudentemente em torno, entendi o que te escraviza: ÉS TU O TEU PRÓPRIO NEGREIRO. A verdade diz que mais ninguém senão tu é culpado da tua escravatura. Mais ninguém, sou eu que te digo!” W

Canto da estrada aberta*

(...) Ouça-me! Eu vou ser franco com você: não ofereço velhos prêmios fáceis, o que ofereço são novos prêmios difíceis. Eis como hão de ser os dias que lhe podem suceder: você não acumulará riquezas, assim chamadas, distribuirá com mão pródiga tudo o que venha a adquirir ou ganhar, nem bem chegando à cidade à qual era destinado dificilmente se há de estabelecer e ter alguma satisfação sem que ouça um apelo irresistível a de novo partir, terá de acostumar-se às zombarias e aos risinhos irônicos dos que forem ficando para trás, aos acenos de amor que receber você dará em resposta somente apaixonados beijos de despedida, e não permitirá o abraço das pessoas que vierem com as mãos suplicantes em sua direção. *Walt Whitman

Anotações e reflexões*

Há momentos em que entro no Facebook e fico pasmo!  Tenho a impressão de que Globo e Mídia são nomes de sujeitos que se propuseram a alienar um cara chamado Sociedade. Tenho a impressão também de que há um sujeito, muito influente, chamado Indústria Farmacêutica, que está convicto de que deve espalhar falsas notícias para que todo o mundo fique doente para, assim, continuar vendendo seus remédios.  Fico imaginando um cara chamado Governo que sempre conversa com outro indivíduo denominado Educação, e continuamente fica impondo que ele fique com a qualidade baixa, sem falar de outros possíveis diálogos com aqueles chamados Saúde e Segurança.  Há também dois sujeitos que têm alguma relação com o Governo; costumam chamá-los de Direita e Esquerda. Parece que vivem em pé de guerra, sobretudo quando o dinheiro do Povo (esse também é famoso) não é bem distribuído entre ambos. Coitado do Povo. Outro cara que parece influente é chamado Maioria, seja ele quem for, está sempre dis

Eu*

Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem n orte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada...a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou! *Florbela Espanca

Fragmentos de filosofia e poesia*

"Nuvens escondem o sol como escondemos as feridas sem nuvens não tem chuva criadeira sem consciência da causa do sofrimento não temos vida bem vivida nuvens promovem as sombras sombra é tudo de mim mesmo que me faz desconfortável tudo que eu não desejo ser e sou aceitar as nuvens encarar as nossas sombras sem fugir das dores confrontando-as veremos o sol da consciência e seremos mais livres no nosso existir!" *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Escritora, Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Adão e Eva contemporâneos*

A história é bíblica, acredite se quiser. Eva não veio ao mundo por acaso. Existia um propósito: partilhar a vida. Já pensou? Adão estava lá sozinho. De repente surge alguém para conversar, brincar, trocar, ajudar... Na verdade, acho que pra ajudar não era o caso; eles tinham tudo que precisavam. O certo é que a vida no paraíso ficou bem melhor depois que Eva apareceu. Como foi a passagem do status de amigos para casal não sei dizer. Só existiam os dois e convivendo juntos todos os dias, naturalmente, algo haveria de acontecer. Não havia nada, nem ninguém para atrapalhar. Nem mesmo vergonha eles sentiam. Posso imaginar vários modos de aproximação, e todos, sem exceção, nada angelicais. Fizeram sexo, gostaram, repetiram, desfrutaram. Não estavam mais sozinhos. Perceberam que um tinha ao outro para abraçar quando o mundo parecia grande demais.  Vamos dar um nome para este tipo de relação? Amor. Viviam no paraíso. Amavam-se. Nada lhes faltava. Eram extremamente felizes. S

Carta*

Meu caro poeta, Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar.  O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio.  Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou

Primeiros Outonos*

Aprendizados nascem de experiências de antigos passados e novas esperanças sempre assim uma lágrima que brota da dor e muitas saudades sem nome de despedidas que anunciam o regresso daquilo que em nós sempre esteve guardado nos jardins de nossa alma saudade é flor que desabrochou e se perdeu em outras tantas no mistério que somos o singular dos múltiplos plurais que habitam meu ser perdem-se em mundos de outras dores e em sorrisos de novos tempos viver talvez seja isso fazer de cada outono a despedida de processos que cumpriram seu papel e esperam as possibilidades de novas estações que anunciam as alegrias de sementes que serão frutos de um novo tempo que vai chegar *Pe. Flávio Sobreiro Poeta, Escritor, estudante de Filosofia Clínica Cambuí/MG

Vivendo*

A chama em folha e grama tão verde parece cada verão o ultimo verão. O vento soprando, as folhas estremecendo ao sol, cada dia o último dia. Uma salamandra vermelha tão fria e tão fácil de pegar, distraidamente move suas patinhas delicadas e sua cauda comprida. Deixei a mão aberta para ela partir. Cada minuto o último minuto. *Denise Levertov

Papéis*

Querido leitor, que você esteja bem.  Recentemente fui a um evento, desses de premiação dos melhores e maiores do ano, e a mestre de cerimônia, no intuito de ser simpática e acolhedora, perguntou-me: - Como devo anuncia-lo? Ao que respondi: - Como assim? E veio a réplica: - Quem é você, o que faz? Como se tratava de uma amiga e tínhamos algum tempo, comecei a refletir com ela sobre um tema muito interessante e que tem me atraído nos últimos tempos. Falo de papéis, papéis existenciais. Com carinho, respeito e abertura, disse-lhe que já não sabia mais quem era! O que faço? Hum, faço tantas coisas! Veja bem: se vou ao campo de futebol sou um torcedor, como vim de avião até aqui sou passageiro, meus filhos me chamam de pai, para o Theo, meu neto, sou avô. Parece pouco, mas ainda nem comecei. Para a Albany sou marido, para os empregados, sou chefe, patrão; nas reuniões do Conselho, sou conselheiro; na loja comprando, cliente. Na associação industrial, sou empresário; pa

Dia*

De que céu caído, oh insólito, imóvel solitário na onda do tempo? És a duração, o tempo que amadurece num instante enorme, diáfano: flecha no ar, branco embelezado e espaço já sem memória de flecha. Dia feito de tempo e de vazio: desabitas-me, apagas meu nome e o que sou, enchendo-me de ti: luz, nada. E flutuo, já sem mim, pura existência. *Octavio Paz

Há flores no meu travesseiro*

As flores e seus diversos perfumes, a lembrar, suavemente, o quanto é bom estar perto. As flores da saudade, da esperança, da alegria, do desejo sincero de viver em harmonia, da pureza de sentimentos e total desprendimento aos ensejos mundanos que obstruem as vias de um amor são. As flores dadas pelos amantes a colorir seus sonhos, seus projetos de vida compartilhada e feliz. As flores e seus diversos perfumes a lembrar suavemente o quanto é bom estar perto. As flores e seus sorrisos abertos ao mundo onde a imaginação flui em sentido a uma permanência despretensiosa, apenas deliciosa de que o tempo juntos não acabe nunca. O colorido, o perfume e o sorriso, alquimia perfeita e poderosa contra o mundo que ataca ferrenhamente e tenta fazer cada dia mais pessoas de bom coração acreditarem que não vale a pena amar. Meu travesseiro cheira saudade dos tempos onde a maldade não penetrava os sonhos. Meu travesseiro sente o perfume das flores, que lindas, colorid

Privada I: o homem e sua obra*

"Este ódio de tudo o que é humano, de tudo o que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este horror dos sentidos (...) tudo isso significa (...) vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida". Nietzsche O Homem é o novo rico da natureza. Assim que nos demos conta de que éramos os únicos na vizinhança que falávamos, fazíamos as quatro operações e conseguíamos encostar o dedão no mindinho, ficamos profundamente, irremediavelmente bestas. Cobrimos a pele com panos, penteamos o cabelo pra trás, passamos uma salivinha na sobrancelha, dissemos: adeus, bicho! e saímos da selva. Nem mal deixamos o bosque, passamos a esnobá-lo e a condenar as atitudes de todos os seus habitantes. Nós éramos superiores! Nós dominávamos a natureza! Nós usávamos ferramentas, meias e fio dental! Novo rico que se preze, no entanto, dá bandeira. Há sempre um douradinho além da conta, um so

Penúltimas notícias!*

Depois do sucesso da aula inaugural, na próxima quarta-feira acontece, a partir das 19hs, o início da caminhada de estudos da nova turma na Cidade Baixa (Rua Joaquim Nabuco, 171 - Próximo ao Opinião) em Porto Alegre. Nessa data seguem as atividades de matrícula, distribuição do material didático, juntamente com as aulas. Muito bem vindos! *Coordenação Geral Casa da Filosofia Clínica

Autogenias*

Dê-me tua mão, te ensino a dançar. Dê-me tua mão, esteja comigo na travessia do vale escuro Ao tempo em que executo meus desejos apesar das turbulências, No espaço em que meu corpo é o obstáculo, não só para a alma. Creia na minha história e invente outras. A ciência e as explicações não adiantam mais. Emoções danificadas se encontram. Trajetórias semelhantes, realidades paralelas. Mesmo biorritmo, Buscas e formação em comum. Mas, se o conjunto é mesmo maior do que a soma das partes, A união eclipsa/ameaça a estrutura singular? A interseção, nesse caso, é um terceiro Não alheio às constituições de cada um; Triângulo do fogo em graça. *Vânia Dantas Filosofa Clínica, Mestre em História Social da Loucura Brasília/DF

Cantiga para não morrer*

Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve. Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração. Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar. E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento. *Ferreira Gullar

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