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Espanto*


Espanto é a palavra base de toda a atividade filosófica, não há como ser filósofo se não houver a capacidade de se espantar.  Espantar-se é tomar algo como novidade, algo que chame a atenção a ponto de tirar o foco de qualquer outra coisa. Em outras palavras, espantar-se é ser surpreendido. Neste artigo conto duas situações que chamam a atenção pela simplicidade e banalidade como são normalmente vistas. 

A primeira situação ocorreu quando a mãe de um menino de cinco anos foi a uma reunião de professores na escola de seu filho. Ao longo da reunião a mãe ouviu o seguinte: “Nossa, como seu filho é ingênuo! Ele não tem maldade, os outros meninos já paqueram as meninas e ele não”. A mãe ficou espantada, pois de acordo com sua educação era justamente assim que deveria se comportar um menino de cinco anos, ou seja, brincar de carrinho, viver a inocência da infância e não pensar em namorar. A segunda situação aconteceu no dia em que a mãe foi buscar o filho na escola. 

Na saída da escola o filho vinha contente pois havia recebido um pirulito da professora, mas ao abrir a mochila não o encontrou. Falou para a mãe: “Mãe eu ganhei um pirulito da professora, mas não está aqui”. Com o auxilio da mãe revistaram a mochila, sendo que o bolso da mochila onde o menino disse ter colocado estava aberto e seu pirulito não estava lá. A mãe perguntou: “Mas tem certeza que você não perdeu?”. Diz o menino: “Não, eu o coloquei aqui e fechei o reco”. A mãe conclui: “Então alguém deve ter pegado o pirulito da sua mochila”. O menino retruca: “Mas mãe, cada um ganhou um pirulito”.

Em boa parte das casas isso é absolutamente normal, com cinco anos o filho já está interessado em meninas e sabe que pode ser roubado. De acordo com a visão de mundo dos pais este é o mundo onde o filho está sendo inserido e se não for preparado passará por bobo. Na visão destes pais os valores a serem seguidos estão estampados nas revistas, jornais, novelas. 

As crianças desde cedo são “adultizadas” sexualmente e os adultos são infantilizados moral e legalmente. Não é mais espantoso um menino de cinco anos tendo interesse sexual pelas coleguinhas da escola, é tão normal que algumas vezes perguntam a ele quem é sua namoradinha. Também é visto com normalidade jovens se apropriarem do que não é seu, matarem, depredarem propriedades públicas com a certeza de que nada lhes acontecerá. Como não se espantar?

Aos que leram até aqui e pensaram consigo que estamos perdendo os valores, afirmo: não, não estamos. O que está acontecendo é que estamos mudando nossos valores, como sempre estivemos, deixando os valores de nossos avós, de nossos pais e assumindo os nossos. Infelizmente ou felizmente cada geração é julgada pela geração futura pelos seus valores. Algumas gerações duraram milênios por cultivarem valores sólidos e outras pereceram. Se olharmos para o oriente, povos de culturas milenares, costumes há muito chamados de arcaicos resistem ao tempo e são exemplos em muitos quesitos.

Um bom exemplo está na Índia, povo dominado pelos ingleses que seria explorado como tantas outras colônias pelo mundo. Como modo de expulsar seu invasor os indianos simplesmente se recusaram a abandonar sua cultura, resistiram basicamente fazendo o que sempre fizeram, sendo indianos. A resistência pacífica de Ghandi se baseou na luta pela preservação dos costumes de seu povo. 

A Índia tem problemas sérios hoje causados justamente pela introdução dos costumes ocidentais, uma cultura milenar que lentamente está sendo desconstruída. Estão perdendo seus valores? Sim, diriam os antigos. Não, dizem os contemporâneos. Valores antigos ou novos serão necessários para no futuro verificar-se o que foi feito de errado no passado.

*Rosemiro A. Sefstrom
Filósofo Clínico
Criciúma/SC

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