Ando sempre a refletir a respeito dos
males provocados pelos modelos engessados, pelas fórmulas prontas e pela
repetição _ fortes características, infelizmente, do mundo contemporâneo. Lendo
"Goya/ À sombra das luzes", de Tzvetan Todorov (Companhia das
Letras), encontro um pensamento do pintor espanhol que ilumina algo importante
a respeito da arte da transmissão. Escreve Goya, em um relatório à Academia de
Arte, datado de 1792: "Não há regras em pintura e a opressão, ou a
obrigação servil de fazer estudar a mesma coisa ou de seguir o mesmo caminho, é
um grande obstáculo para os jovens que escolhem essa tão difícil, que se
aproxima do divino mais do que qualquer outra, por representar tudo o que Deus
criou".
Agora que me preparo para dar
oficinas literárias em Santa Catarina (Jaraguá do Sul e depois Joinville) na
semana seguinte ao carnaval _ promovidas pelo SESC _, esse pensamento de Goya
vem iluminar meu caminho. Ninguém pode saber o que alguém precisa saber, ou
deixar de saber, para tornar-se um escritor. Cada um trilha um caminho solitário e
único. Trocando a pintura pela literatura, o pensamento de Goya fica assim:
"Não há regras em literatura e a opressão, ou a obrigação servil de fazer
estudar a mesma coisa ou de seguir o mesmo caminho é um grande obstáculo para
os jovens". Mas como então dar uma oficina literária se, a cada aluno,
devemos dizer uma
coisa diferente?
Pois o segredo parece estar
justamente aí: levar os alunos a valorizar, em vez de desprezar, as diferenças
imensas que existem entre eles. Para chegar a elas, resta ouvir _ e ensiná-los
a ouvir também. Comenta Todorov: "A pluralidade dos caminhos que permitem
aproximar-se do objetivo é colocada de saída, assim como a necessidade de dar a
cada indivíduo o direito de escolher o dele". Dirão os mais temerosos:
"Mas isso tira a autoridade do professor". Pergunto: mas quem falou
em professor? Uma oficina não é uma aula, em que se trasmite determinado
legado, ou tradição. Ao contrário: uma oficina é um desafio, em que se
estimula o aluno (mas a palavra, aluno, é péssima nesse caso) a divergir, a
desviar-se, a encontrar seu próprio caminho e construir seu próprio destino.
Falamos muito, hoje, da brutalidade
do mundo, mas não percebemos que parte dessa brutalidade é um efeito perverso
da repetição. Da obrigação de repetir e de copiar. Vivemos no mundo do
"copiar e colar". Caminho perigoso, que só conduz ao tédio e ao desencanto. Ao ódio à
diferença e à invenção de si. Prossegue ainda Todorov: "Para isso, o
estudo é necessário, mas depende do conhecimento do mundo, e não dos modelos
antigos". Cabe acrescentar que o conhecimento do mundo começa, sempre,
pelo conhecimento de si mesmo. E que este é uma experiência radicalmente
individual, que não permite a cópia, nem a repetição. Pois elas são a morte da
arte.
*José Castello
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