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Como identificar alguém especial*


Nem todas as pessoas que cruzam por nossas vidas são iguais. Algumas vão se tornar muito importantes; outras vão passar e não deixarão nada, nem lembrança. Mas, de vez em quando, surge alguém com uma britadeira na mão, fura um buraco bem fundo em nossa frente, finca uma bandeira e mostra que veio pra ficar.

Traz uma mala grande e pesada cheia de espontaneidade, paz, poesia, humor, amizade, companheirismo, amor e  se instala definitivamente em nossas vidas. Essas pessoas são especiais e difíceis de encontrar. Como identificá-las?

Chegam de mansinho, por casualidade, sem aviso, sem cartão de visita, sem intenção ou obrigatoriedade de agradar. Não usam máscaras ou carapuças. Não são perfeitos e não fazem o menor esforço para se tornarem especiais, simplesmente são. Atrasam-se, dormem assistindo filmes, detestam ar condicionado, deixam queimar o risoto de limão siciliano, tem um dedo meio torto, mas são pessoas por quem vale a pena relevar os defeitos.

Tornam nossos dias mais felizes, pois sabem fazer as coisas não do jeito certo, mas do jeito deles, que por coincidência, é bem do jeito que gostamos. Sabem como nos tocar. Emocionam, ensinam, inspiram, discutem, encorajam, acalmam, contam histórias absurdas, dão conselhos sem sentido, fazem mágicas, choram, riem de si mesmos, abraçam apertado, beijam com paixão, preenchem vazios, transformam. Nem sempre fazem tudo isto ao mesmo tempo.

Às vezes colocam uma manta por cima enquanto dormimos no sofá. Podem sussurrar em seu ouvido: ”se sentir tesão, me acorda”. Em dias frios pedem para esfregar seus pés nos nossos. Quando acordamos dizem que nosso sorriso é lindo, que os fazemos sorrir e que não sabem mais viver sem ele. Compram bolo de maça e um bom vinho para as tardes de domingo.

Daí você percebe que esta pessoa conseguiu fazer com você e por você, em uma semana, aquilo que ninguém fez durante sua vida inteira. Tirou você da sua linha e o arremessou para um patamar mais alto, um lugar onde jamais havia imaginado estar. Dá medo, mas é um medo gostoso de ter, um medo seguro, porque você sente que está conectado com esta pessoa, de modo que já não são mais estranhos e estão unidos nesta caminhada, que agora se transformou em vôo livre.

Se você acordar com febre, bater o carro, for despedido, sabe para quem ligar. Tem alguém que vai lhe escutar, amparar, e  largará tudo o que está fazendo para lhe abraçar. A sua vida é como se fosse a dela.

Talvez você nem se de conta, mas vai passar a se depilar, arrumar os cabelos, pegar vídeos na locadora e se vestir melhor pensando nela. Dormirá e acordará com vontade dela. Sentirá sua falta, terá pressa em encontrá-la e preguiça em deixá-la.  Chamo isto de reciprocidade afetiva, uma troca amorosa onde sentimentos se correspondem e retribuem, como se estivessem refletindo frente a um espelho.

Pessoas especiais são diferentes porque cuidam emocionalmente. Tentam  entender e descobrir o que pensamos e sentimos. Enxergam por dentro, e não por fora. Respeitam nossa dor, nosso silêncio, nossas manias e carências.  Pela maneira como nos tratam, transformam-nos em importantes, únicos e especiais. Pessoas especiais são aquelas que nos fazem sentir especiais. São difíceis de encontrar, mas sempre acabam por nos achar.

*Ildo Meyer
Médico, Escritor, Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS

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