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Quem é o cara?*


A motivação primeira de quem faz um curso ou oficina de criação textual é muito simples: o intuito é o de averiguar a real qualidade dos escritos que talvez há muito tempo o nosso iniciante venha fazendo em segredo e com certa vergonha, como se cagara, para lembrar a metáfora de João Cabral de Melo Neto.

Esse ímpeto é mais poderoso do que, por exemplo, ampliar os conhecimentos sobre a arte da poesia. Enfim, a maioria quer saber se têm jeito pra coisa. Se o que escreve presta ou não. Infelizmente, não há resposta cabal para essa angústia.

Primeiro porque, como afirma W. H. Auden, o percurso textual do verdadeiro artista denuncia um progressivo senso de dúvida. Isto é, quanto mais experiência ele adquire mais incerto o nosso herói se sente com relação à qualidade e ao alcance do seu trabalho. Mesmo a palavra do “ministrante” (expressão terrível), não será inteiramente de confiança. 

Muitos autores consagrados falharam na avaliação de sujeitos que iniciavam suas carreiras literárias. O mergulho no acervo da tradição e a rivalidade virtuosa que se estabelece entre os iguais potencializam o sentimento de incerteza em relação a nós mesmos e ao alheio.

E, segundo, porque a prerrogativa de tal aferição, fica a cargo da recepção (o sistema literário, no nosso caso) e do tempo. A recepção às vezes é perversa. Há uma dialética um tanto tensa entre os interesses dos grupos envolvidos, as contingências históricas e o transcurso mais demorado do tempo onde as coisas se decantam.

Dois exemplos relativos à difícil avaliação da qualidade de um trabalho artístico: Kafka e Arthur Bispo do Rosário.

O primeiro pediu para que depois de morto seus papéis fossem queimados. Não foi atendido. O artista brasileiro, um indigente negro acolhido num manicômio, é guindado, contra a sua vontade, à categoria de criador de vanguarda; Bispo do Rosário dizia que seus mantos não eram arte, mas coisas sagradas cuja realização tinha a ver com uma missão divina. Ninguém deu a mínima. E muitos ganharam grana com as obras do sacerdote alienado.

Quem estava com a razão?

*Ronald Augusto

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