Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser
nada.
À parte isso, tenho em
mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos
milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem
é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de
uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua
inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente
real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das
coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por
umidade nas paredes
e cabelos brancos nos
homens,
Com o Destino a
conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido,
como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como
se estivesse para morrer,
E não tivesse mais
irmandade com as coisas
Senão uma despedida,
tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens
de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha
cabeça,
E uma sacudidela dos
meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo,
como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido
entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro
lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que
tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito
nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me
deram,
Desci dela pela janela
das traseiras da casa.
*Fernando Pessoas
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