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Contato com o Bicho de Sete Cabeças*


Artista, louco, rebelde, incompreendido?

O dono da biografia que inspirou o filme "Bicho de sete Cabeças" foi Membro da Comissão de Saúde Mental do Ministério da Saúde e Representante dos Usuários no Conselho Nacional de Reforma Psiquiátrica. Prestamos a ele nossa homenagem, pela passagem do 18 de maio, dia da luta antimanicomial, por ter sido importante ativista na divulgação dos horrores dos tratamentos físicos e maus tratos que denigrem a alma humana e a condição de ser vivente.

Acompanhamos parte da trajetória e trocamos algumas informações com esse artista das letras e dos palcos. Austregésilo Carrano passou confinado por três anos e meio em instituições psiquiátricas do Paraná e Rio de Janeiro, dos 17 até 21 anos. Sobreviveu a 21 aplicações de Eletroconvulsoterapia – choques numa voltagem de 180 a 460 volts aplicados nas temporas. Seu livro “Canto dos Malditos” é um relato fiel sobre as torturas a que foram submetidos os pacientes psiquiátricos dentro dos manicômios, tendo recebido 53 prêmios no Brasil e exterior.

Carrano afirmou no posfácio da última edição de “Canto dos Malditos”: “Ainda espero ser indenizado pelas torturas psiquiátricas sofridas, pela minha condenação aos preconceitos sociais, danos físicos, emocionais, morais, danos na minha formação profissional, danos financeiros, destruição de minha adolescência. E esses meus direitos de cidadão serão cobrados até o fim dos meus dias. Se não conseguir em vida, algum dos meus filhos ficará com essa incumbência. Justiça plena e total é o que exijo, e mesmo depois de morto continuarei a exigir. Não só para mim, exijo essas indenizações para todas as vítimas do holocausto da psiquiatria brasileira, não desistirei por nada nem que leve o resto da minha vida.”

Dias após o lançamento em 1990, o livro foi retirado das livrarias e voltou a ser publicado em 1991, pela editora Lemos, de São Paulo.

“Canto dos Malditos” foi dos poucos livros proibidos depois do fim da Ditadura Militar, tendo sido retirado novamente das livrarias e proibido em todo o território nacional em abril de 2002. Carrano conseguiu na justiça o retorno do “Canto” em setembro de 2004.

Em 2003, Carrano foi homenageado pelo Presidente da República pelo seu empenho na Reforma Psiquiátrica que está sendo construída em todo o Brasil.

Entretanto, todo o empenho e reconhecimento lhe custaram um grande preço em sua terra natal – Curitiba – perseguido por pessoas contrárias a suas ideologias e do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.
“Da primeira Ação Indenizatória por erro, tortura e crime psiquiátrico no Brasil, de vítima virou réu, em maio de 1999 foi condenado a pagar R$ 60.000.00 aos donos dos manicômios dos quais foi vítima.

Entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal em Brasília. Em novembro de 2003 foi condenado novamente a pagar mais R$ 12.000.00 em vinte e quatro horas, por citar os nomes dos hospícios e dos médicos na imprensa, por estas citações chegou a receber ameaças de morte. Na sentença desse processo seu direito de livre expressão foi cassado, foi proibido de falar o nome de seus torturadores em público, com uma multa de R$ 50.000.00 a cada desobediência jurídica.”

A luta de Austregésilo Carrano Bueno findou parcialmente em 2008, vitimado por câncer no fígado, mas continuamos a divulgação das torturas manicomiais.

Precisamos de rebeldes!

*Vânia Dantas
Filósofa Clínica
Brasília/DF

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