Há um provérbio,
derivado de uma passagem bíblica, mas que hoje é um grande dito popular:
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Poderíamos abordar a origem e o
significado dessa frase nos remetendo à fonte e ao sentido filológico.
Entretanto, podemos nos valer dela para compreender um importante postulado da
filosofia clínica. Vejamos!
Por um lado,
encontramos aqueles que baseados na frase acreditam que basta caminhar com
determinadas companhias, que acabaremos nos igualamos ao grupo. Por outro lado,
há quem pense que nosso modo de ser atrai tudo o que tem semelhança com o que
somos.
Aristóteles, filósofo
grego, profundo observador, ao formular sua física afirmava que as coisas
tendiam para aquilo que lhes era própria. A frase comumente utilizada para a
afirmação aristotélica e que, de certo modo, se aproxima da frase citada no
início, é: "Semelhante atrai semelhante". Assim, por exemplo, não
conhecendo a moderna “lei da gravidade” dizia que as pedras tendiam para o
chão, por nele se encontrar o elemento que lhe era semelhante. Dizer que o
Estagirita está errado, seria muita pretensão nossa. Pois, seja por uma “lei”
formulada por um moderno para compreender os fenômenos, seja por uma afirmação
filosófica de mais de dois milênios, ambas continuam a observar a pedra que,
lançada ao alto, volta para o solo. E o que isso importa para o início da
reflexão?
Do mesmo modo como a
pedra e o chão se encontram, independentemente da “lei” que rege esse
movimento, a interpretação acerca da proximidade das pessoas pode ser variada,
mesmo que o fenômeno interpretado continue o mesmo. No entanto, abordar a
gravidade nos ajuda a trabalhar uma série de questões que daí se deriva, melhor
do que basear-se em Aristóteles.
Assim, hoje a filosofia
clínica nos traz uma compreensão que, em seus desdobramentos, nos esclarece e
mantém o sentido para melhor compreendermos os fenômenos. À proximidade de
pessoas que compartilham traços comuns, a filosofia clínica denomina “padrão
autogênico”.
Grosso modo, padrão
autogênico nos serve como uma espécie de termômetro de observação do nível
existencial no qual estamos. Não se trata de “nível” no sentido de juízo de
valor. Trata-se, contudo, de uma compreensão que nos mostra que entre dois
extremos, há uma gradação de níveis que nos mostra onde existencialmente nos
encontramos.
O nível mais abaixo
seria o mecânico. Nesse nível as coisas funcionariam mais voltados para o lidar
da pessoa consigo, com as pessoas e com o mundo; isto em âmbitos mais lógicos,
racionais, baseado em medições, cálculos e com pouca oportunidade para o
elemento mais maleável da existência, por não ser passível de ser abarcado
pelos meios apresentados.
O nível mais elevado
seria o mais intuitivo. Nesse âmbito, as coisas funcionam com mais margens para
imaginação, abertura à surpresa, à criatividade, à liberdade para a Estrutura
de Pensamento produzir seus próprios meios de lidar com o que, num primeiro
momento, sequer é possível de ser confrontado logicamente.
Mais uma vez afirmo:
não se trata de juízo de valor. O que queremos expor é que baseado, grosso
modo, nessas características a pessoa tende a ter a convivência com pessoas,
coisas, pensamentos, mundo, enfim, tudo muito próximo desse padrão. E quando
isso não ocorre? E quando não nos encontramos no padrão que nos é referente?
Isso tem muitas
variações. Desde a pessoa que precisa viver no conflito e, por isso, busca no
padrão diferente do próprio, esse âmbito para viver, até aquele que quer um
conforto existencial e está se sentindo mal por não estar no padrão que lhe é
característico. Além disso, há padrões verticais, horizontais, transversais,
etc.
Os padrões podem mudar
ao longo da vida. Muitas pessoas passam de um padrão ao outro sem complicações.
Há outros que dependem de ajuda tanto para se adaptar ao novo padrão, quanto
para mudar de padrão por não se encontrar mais onde está, ou até para que
alguém lhe mostre que mudar de padrão não lhe fará bem. E quando saber quando
fazer o quê? A princípio, não sei.
Tudo vai depender da
abertura do filósofo clínico e da historicidade apresentada pelo partilhante.
E, para isso, vai uma dica (nunca uma máxima universal): Mantenha-se em
constante contato com uma formação sólida que lhe permite ter essa abertura e
capacite-se para que as nuanças do trabalho clínico sejam bem lapidadas.
Contudo, isso é fruto de saber andar com pessoas, livros, coisas e até com a
mente nos lugares propícios.
Assim, diga-me com quem
andas existencialmente e, a partir de sua historicidade, verificando o dado
padrão e o dado atualizado, e te direi em qual padrão autogênico estás.
*Miguel Angelo Caruzo
Filósofo, Mestre e Doutorando em Filosofia da Religião/UFJF, Filósofo
Clínico
Juiz de Fora/MG
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