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A palavra diante de si*



                "Sonhar é acordar-se para dentro."
                                 Mário Quintana

A palavra diante de si, ao ser a mesma, já é outra. Uma realidade ofuscada pela proximidade excessiva atesta as irreconhecíveis intimidades. É comum não perceber-se no próprio espelho embaçado. Os movimentos dos quais é refém parece desdobrar vestígios de imensidão.  

Na trama dos termos agendados, a contradição entre elogio e crítica, reflete a maquiagem por onde os dicionários tentam defini-la. A imaginação, mesmo aprisionada pelo vocabulário conhecido, deixa-se rastros de algo mais. Sua anterioridade se move em projetos de verdade. 

Por essas franjas inconclusas um teor discursivo, ao desviar convicções, emancipa raridades. Nesse momento de possível tradução, aprecia o refúgio em poéticas de não-ser. A incerteza pluralizada nas afirmações, desveste o texto novo, se permite aparecer nas fissuras do próprio fundamento. Os rastros dessa invisibilidade qualificam a história da palavra. Esse deslocamento, ao visitar antigos endereços existenciais, se autoriza a perseguir novos rumos.    
     
Um olhar impróprio parece denunciar essa fonte inesgotável de distorções. Endereço aproximado a conviver na correspondência de sim e não. Suspeita-se existir um horizonte de possibilidades refugiado num texto assim. Sua menção de propósitos insatisfeitos deixa entrever indícios de vontade subversiva, aprecia rascunhar-se na indeterminação dos desabafos.  

Assim, frente a frente consigo mesma, reivindica uma distância aproximada para refletir-se. Quiçá uma lucidez impossível a realizar-se por inteiro. Nesse sentido, a experiência fotografada pela historicidade, pode não bastar ao fenômeno por vir.   
As revisitas a esses esconderijos de maior intimidade, podem significar uma antevisão ao devir subjetivo. Sua estética das distâncias e das proximidades indica o estranho labirinto diante do olhar. Quem sabe ao ser indeterminável, acolha os múltiplos sentidos, não permita o fórceps de uma só versão.   

Talvez o exílio onde se encontre, ao narrar-se, consiga descrever-se nas lógicas da impermanência. Ao visitar os recantos de originalidade, possa exercitar-se, saber mais sobre a fonte de suas representações, recuperar memórias desconsideradas, emancipar o dialeto diante de si. Um autor assim constituindo-se, reverencia a língua onde se encontra (existencialmente), ensaia transcender o mundo das idéias num agora cotidiano.   

Nessa irresolução diante de si mesma, a palavra busca cogitar-se a perder de vista. A proximidade com as letras embaralhadas sugere um forasteiro. Sua reflexão vislumbra originais para além de toda definição. Um esboço de atração irresistível com o inusitado chegando.  

*Hélio Strassburger

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