"Nenhum caminho é mais
errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em
festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável
existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar
a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras
recíprocas.
Assim como o nosso
corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os
nossos dizeres, as nossas ações, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio
desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade,
assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo.
Antes de mais nada,
toda a sociedade exige necessariamente uma acomodação mútua e uma temperatura;
por conseguinte, quanto mais numerosa, tanto mais enfadonha será. Cada um só
pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho.
Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se
está só é que se está livre.
A coerção é a
companheira inseparável de toda a sociedade, que ainda exige sacrifícios tão
mais difíceis quanto mais significativa for a própria individualidade. Dessa
forma, cada um fugirá, suportará ou amará a solidão na proporção exata do
valor da sua personalidade. Pois, na solidão, o indivíduo mesquinho sente toda
a sua mesquinhez, o grande espírito, toda a sua grandeza; numa palavra: cada um
sente o que é.
Ademais, quanto mais
elevada for a posição de uma pessoa na escala hierárquica da natureza, tanto
mais solitária será, essencial e inevitavelmente. Assim, é um benefício para
ela se à solidão física corresponder a intelectual. Caso contrário, a
vizinhança frequente de seres heterogeneos causa um efeito incomodo e até mesmo
adverso sobre ela, ao roubar-lhe seu «eu» sem nada lhe oferecer em troca.
Além
disso, enquanto a natureza estabeleceu entre os homens a mais ampla diversidade
nos domínios moral e intelectual, a sociedade, não tomando conhecimento disso,
iguala todos os seres ou, antes, coloca no lugar da diversidade as diferenças e
degraus artificiais de classe e posição, com frequência diametralmente opostos
à escala hierárquica da natureza.
Nesse arranjo, aqueles
que a natureza situou em baixo encontram-se em ótima situação; os poucos,
entretanto, que ela colocou em cima, saem em desvantagem. Como consequência,
estes costumam esquivar-se da sociedade, na qual, ao tornar-se numerosa, a
vulgaridade domina."
*Arthur Schopenhauer
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