A espantosa realidade
das cousas
É a minha descoberta de
todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a
alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se
ser completo.
Tenho escrito bastantes
poemas.
Hei de escrever muitos
mais. Naturalmente.
Cada poema meu diz
isto,
E todos os meus poemas
são diferentes,
Porque cada cousa que
há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a
olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar
se ela sente.
Não me perco a
chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela
ser uma pedra,
Gosto dela porque ela
não sente nada.
Gosto dela porque ela
não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço
passar o vento,
E acho que só para ouvir
passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que
os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve
estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras
pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem
pensamentos
Porque o digo como as
minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me
poeta materialista,
E eu admirei-me, porque
não julgava
Que se me pudesse
chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou
poeta: vejo.
Se o que escrevo tem
valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos
meus versos.
Tudo isso é
absolutamente independente da minha vontade.
*Alberto Caeiro, in
"Poemas Inconjuntos"
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