A sindicação, saída da
liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo
das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo,
com mais segurança.
Um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial,
ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos
indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse
sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é
realmente obrigatória.
Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele —
parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes,
industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os
indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é,
para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e
profissionalmente, um mito.
Mais incisivamente
ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de classe. No caso
especial da sindicação na indústria e no comércio, o resultado é desaparecerem
todas as vantagens da concorrência livre, sem se adquirir qualquer espécie de
coordenação útil ou benéfica. O caráter natural do regímen livre atenua-se,
porque surge em meio dele este elemento estranho e essencialmente oposto à
liberdade.
A vantagem pública da não elevação desnecessária de preços
desaparece por completo, pois por haver sindicato, é fácil a combinação e a
"frente-única" contra o público e, por esse sindicato ser tirânico, é
fácil compelir à aceitação de novas tabelas os profissionais pouco dispostos a
aceitá-las.
Quanto ao
aperfeiçoamento dos serviços comerciais ou industriais, que a concorrência
estimula, o sindicato diminui-o na própria proporção em que diminui o espírito
de concorrência e, como nunca é dirigido por grandes profissionais, mas por
políticos de dentro da profissão, pouco pode animar diretamente a técnica da
indústria ou do comércio que representa.
Nem resulta da ação do sindicato
qualquer coordenação útil que compense estas desvantagens todas. Não tendo uma
verdadeira base de liberdade, o sindicato não coordena a classe como
indivíduos; não tendo nunca uma direção profissionalmente superior, o sindicato
não coordena a classe como profissionais; não tendo outro fim senão o profissional
e o econômico, o sindicato não coordena a classe como cidadãos.
*Fernando Pessoas, in 'Ideias Filosóficas'
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