Não quero ter a
terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu
não: quero é uma verdade inventada.
O que te direi? te direi os instantes.
Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei
um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das
raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco
contorço-me às labaredas.
A duração de minha existência dou uma significação oculta
que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o
presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
Para me interpretar e
formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se
localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e
então outra realidade, sonhadora e sonâmbula, me cria.
E eu inteira rolo e à
medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anônima de uma
realidade anônima só justificável enquanto dura a minha vida. E depois? depois
tudo o que vivi será de um pobre supérfluo.
Mas por enquanto estou
no meio do que grita e pulula. E é sutil como a realidade mais intangível. Por
enquanto o tempo é quanto dura um pensamento.
*Clarice Lispector
Comentários
Postar um comentário