A poesia é minha vida.
Eu joguei toda a minha vida na poesia. Não poderia me mobilizar do mesmo modo
para outra arte. A arte não existe em si mesma. Ela é fundada pelo artista com
essa entrega. O homem inventa a arte através dessa paixão.
Quando o poema chega, é
um acontecimento inusitado, uma erupção, como um vulcão. Está tudo bem e de
repente ele começa a colocar fogo pela boca.
O poema nasce do
espanto, e o espanto decorre do incompreensível. Vou contar uma história: um
dia, estava vendo televisão e o telefone tocou. Mal me ergui para atendê-lo, o
fêmur de uma das minhas pernas bateu no osso da bacia.
Algo do tipo já
acontecera antes? Com certeza. Entretanto, naquela ocasião, o atrito dos ossos
me espantou. Uma ocorrência explicável de súbito ganhou contornos
inexplicáveis. Quer dizer que sou osso?, refleti, surpreso. Eu sou osso? Osso
pergunta? A parte que em mim pergunta é igualmente osso? Na tentativa de
elucidar os questionamentos despertados pelo espanto, eclode um poema.
Entende agora por que
demoro 10, 12 anos para lançar um novo livro de poesia? Porque preciso do
espanto. Não determino o instante de escrever: "Hoje vou sentar e redigir
um poema". A poesia está além de minha vontade. Por isso, quando me
indagam se sou Ferreira Gullar, respondo: "Às vezes".
* Ferreira Gullar
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