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Deixar de lado dói mais que ser deixado*


Deixar ou ser deixado? O que causa mais dor?
A esta altura da vida muito me confunde os tantos depoimentos somados à bagagem pessoal quando falando de amor e relacionamentos, é tocado o tema desamor.

Deixar ou ser deixado? O que causa mais dor?

Aparentemente, explicitamente e obviamente é claro que virou senso comum a dor do abandonado. Coitado. Foi largado!

Entretanto, fazendo valer aqui a veia inquiridora, própria de uma aura especulativa e da chatice inerente do Ser Filósofa, me detenho, como não raro, na contra mão das histórias que me contam e até das que vivi, me perguntando sobre quem foi que deixou mesmo “aquela” relação.

Acostumada a analisar comportamentos, mesmo antes de saber classificar isto, observava o sacrifício de uma mulher que deixava de gostar de seu parceiro e por estar atrelada a ele, presa, refém de alguma circunstância gerada por uma sua necessidade passada e alimentada por algum tempo, como que com dinheiro ou amparo psicológico ou emocional, coisa bem própria da maioria das mulheres aceitarem dos homens em momentos de desespero, sem conseguir se libertar e condenada por pressão do companheiro ou dela mesma em sua imaginária dignidade, em sacrifício, via-as e vejo-as, definhando. Acontece também com homens que se unem a mulheres por atração sexual pensando que suas parceiras serão para sempre deusas da beleza. Vejo-os expirando, aspirando novos ares.

Acontece não raro, com pessoas que pensaram amar muito e viram que não era bem assim. Ai.

Ser livre exige menos sacrifício e muitas pessoas não conseguem acreditar nisto. Primeiro pelo motivo básico de não acreditarem nelas mesmas e depois por acreditarem que sempre está nas mãos de alguém, cuidar de suas vidas. Que preguiça. Que coisa feia.

Amar sendo livre e escolhendo onde quer estar é bem mais gostoso e infelizmente não acreditamos nisto também.

E é nessa atmosfera que acontece a confusão. As pessoas deixam de gostar de seus parceiros e não são livres para desapegar e deixar ir ou ir. E é nessa orla que muita bobagem acontece. Aquele que deixou de gostar ou de verdade, nunca gostou, mas achou que podia ter alguma vantagem se unindo a alguém declarando ser por amor, se dedica a atormenta-lo.

Desapegar é mais honesto. Deixar ir é mais bonito. Não é sempre que precisamos fazer o outro nos odiar. Não é sempre que devemos fazer o mundo a nossa volta acreditar que o outro é o culpado. Não precisamos passar ao outro a nossa faixa de monstro. Isso é muito feio.

Em outra visão, fica aqui a impressão sobre a dor do deixar de gostar. Como é triste deixar de gostar de alguém quando tudo o que você mais queria sentir era amor. É quando não bate lé com cré. É quando você reconhece estar deixando para trás um grande tesouro, é quando você não tem capacidade de amar distraidamente. É quando você é um cara legal, mas outro cara legal não basta para você. Nossa, eu sei. Dói. E é disso que eu vim falar antes de dar aquela voltinha ali em cima pela vida dos não tão legais.

É essa analise que me interessa. A do que tem que abandonar, do que abandonou do que não conseguiu abrir o coração com tudo. Vim falar da dor do que tentou, mas mesmo recebendo de tudo não se deixou.

Vim falar que amar requer um pouco de se deixar. Vim falar que quando é leve, puro e desinteressado se torna incondicionalmente uma condição amar e não esperar nada em troca. Vim dizer que isto é tarefa árdua e nem sempre sabemos fazer. Vim dizer que amar de todo coração quase não existe mais. Dizer que reconhecer tudo isso, dói demais.

Queria dizer que não julgar é difícil, entender não é tão fácil assim. Queria dizer que às vezes ser um grande tesouro dificulta um pouco as coisas e que nem todo mundo sabe corresponder e que nem todo mundo sabe ser tão do bem.

É importante lembrar que se deixa também por não conseguir alcançar, que deixamos por não sermos capazes de fazer feliz, por pensar que não merecemos, por bondade, por consciência pura de que não merecemos.

Deixamos para continuar na estrada, apanhando, aprendendo e tentando merecer um amor que não complique tanto, por maldade ou por bondade, as nossas vidas.

Ai.

*Jussara Hadadd
Terapeuta Sexual. Filósofa Clínica
Juiz de Fora/MG

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