Descobri-me livre,
plenamente livre, quando me peguei mirando, da cobertura de um prédio de
dezoito andares, a rua movimentada, ao cair da noite. Pensei: “eu poderia pular
daqui agora”. Balancei-me para frente e para trás, sorrindo feito criança, como
a reafirmar a mim mesma aquela possibilidade.
Obviamente eu não
queria me matar, nunca tive esse intento. Na verdade, aquele era um momento
leve e feliz que preferi dividir com ninguém, por uma questão de egoísmo,
talvez. Sequer lembro a razão de tal alegria, mas ela estava presente,
radiante, inundando meus poros como uma onda incontrolável. “Eu poderia pular
agora.” E subitamente compreendi o que aquilo significava. A verdade é que eu
poderia fazer o que quisesse.
Veja bem, o Código
Penal não traz proibições. Nada traz proibições, na verdade. É permitido matar
e roubar. É permitido sonegar impostos, exercer profissão ilegalmente e cometer
furtos em mercearias desprotegidas. Dentro de seu pequeno universo e
respeitando as próprias limitações naturais, não há proibição de verdade, se
você tiver um pouco de mobilidade e consciência. A questão é aceitar as
consequências de cada ato. “Art. 121. Matar alguém: Pena — reclusão de seis a
vinte anos.”
Matar, roubar, sonegar
e pular do prédio do décimo oitavo andar são ações que, espera-se, acarretarão
reações desagradáveis, mas, ainda assim, são escolhas individuais.
Talvez o momento mais
incrível desta vida seja o da tomada de consciência sobre a liberdade de ser
quem se quer ser. É uma experiência individual — apoteótica, eu diria! — que
talvez perca considerável parte de sua magia quando narrada pelo limitado
vocabulário humano.
É surreal.
Esta crônica é minha e
escrevo sobre o que quiser. Posso bater em alguém agora, beber água neste exato
instante, mexer os dedos dos pés. Posso até mesmo inventar uma história maluca
e faltar ao trabalho para deixar que minha cabeça fértil fantasie sobre ela
durante todo o dia.
Eu. Sou. Livre. Maravilha! E agora?
Enquanto me balançava
para frente e para trás, mirando o movimento distante da avenida, decidi que
usaria a liberdade recém-parida para dizer as três palavras mais atrevidas e
viscerais que poderia proferir naquele momento: “Eu me demito”.
Assim o fiz, logo no
outro dia, em alto e bom tom: “Eu me demito. Eu me demito. Eu me demito”. Estou
fora, chega, deu, acabou. Como uma maluca assumida, sem eira nem beira, saí
pela rua quase sambando de alegria e deixando cada motorista perplexo,
sorridente. Alguns de choque, outros de pena, imagino.
Deus, que claramente
prefere asas a correntes, recompensou minha loucura com um incrível presente: a
sala de aula. E, desde então, vivo de levar a consciência da liberdade a alunos
muitas vezes presos a algemas invisíveis, impingidas por limites imaginários,
colocados por seus medos opressores ou terceiros mordazes. Anseio por esses
momentos, afinal, foi só então que passei a respirar.
Essa é minha história,
mas poderia ser a de qualquer um. Não há limites para asas ousadas, quando os
intentos são profundos e arraigados. Há, sim, limites físicos, mundanos e
comezinhos, mas não para o substrato que de fato importa. Quando a alma se descobre
livre, a solução é atualizar os parâmetros da vida, porque nunca, nunca mais se
é o mesmo. O caminho não tem volta.
“Eu poderia viver
recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”, disse
Hamlet. A consciência da liberdade talvez seja o maior presente que um homem
possa se dar nesta vida.
*Lara Brenner
**Título tomado de
empréstimo de Charles Bukowski
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