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Viver e morrer*


Estaríamos nós desprezando a presença da morte?

Mais uma vez ela estava presente, ou melhor, ela sempre esteve. Por mais que não a enxerguemos, está rondando o ambiente. E, quando menos esperamos, aparece num último suspiro, acompanhada sempre de algumas indagações, medos, incertezas, sofrimentos, projetos inacabados e até mesmo alívios.

Quando se recebe a notícia de que se está com uma doença terminal, se pensa logo que vai morrer. E, realmente, em algum momento vamos morrer... Só que não sabemos o momento.  Quando a morte é no “outro”, acabamos de alguma forma, morrendo um pouco. Apenas presenciamos, sabendo que em algum momento esta morte será no “eu”.

Ainda assim, continuamos a viver como se nunca fossemos morrer, adquirimos coisas, fazemos planos e até colecionamos objetos, sem pensar que em algum momento vamos nos desprender deles. Essa é a forma através da qual a sociedade enxerga a morte. Falar de morte ainda é um tabu. Falamos de sexo, de drogas, até de ufologia, mas escondemos, velamos, não enxergamos, negamos esse fenômeno chamado morte, sempre pulando este capítulo.  

Sentir a presença da morte, em um ambiente do qual ela faz parte do contexto, é algo difícil de assimilar. Por mais que saibamos que a morte é uma certeza, não conseguimos aceitar a finitude como algo natural do desenvolvimento humano. Damos tanta importância para o nascer porém desprezamos o morrer. Todavia não podemos ver o nascer sem o morrer. Até o sol nasce e morre, e mais uma vez negamos o morrer, pois quando falamos no sol dizemos “o sol nasce e se põe” e não “o sol nasce e morre”. Medo, negação ou apenas uma forma de evitar falar na palavra morrer.

No livro “Totem e Tabu’, Sigmund Freud relata experiências de ancestrais, nas quais a morte era respeitada, sendo sempre obedecidos rituais e costumes, de acordo com os quais até os guerreiros da época faziam oferendas para os inimigos, que eles próprios haviam abatido nos combates.

Podemos fazer um paralelo entre presente e passado, constatando que muita coisa mudou e ainda vai mudar. Através dos tempos a morte foi sendo banalizada e até desrespeitada. O morrer em casa, na companhia da família, foi sendo deixado para trás, não tendo mais o moribundo o direito de escolher onde morrer, passando a se tornar apenas um objeto valioso em qualquer CTI hospitalar.

Heidegger diz “que o homem deve estar em permanente vigília com relação aos fenômenos que se apresentam, e que afetam diretamente no transcorrer de sua cotidianidade. A morte deve ser enxergada como uma realidade de nossa vida.”

A verdade é que com toda essa evolução em termos de apego as coisas materiais, nossa sociedade foi se distanciando dos valores reais e naturais. O homem atual encontra-se despreparado para enfrentar a morte, e vê o fenômeno como um duelo, e não como uma sequência natural do viver.

*Marcelo Á. Franco
Psicólogo. Especialista em Educação. Estudante na Casa da Filosofia Clínica.
Porto Alegre/RS

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