É incomum notar a existência de algo que restaria
silenciado, não fora um olhar absorto, indeterminado, sentir improvável de um
sonhar acordado. Esse lugar de refúgio aos desatinos da criação, concede uma
estética de acolhimento ao viajante das quimeras.
Nessa região, onde eventos sem nome rascunham
invisibilidades, é possível intuir vias de acesso de essência não
epistemológica. Seu teor, ao pluralizar versões desconsideradas, faz acordar
aquilo que dormia. Ao desalojar esses fenômenos, desconstrói o aspecto
irrealizável das promessas. Esses eventos reivindicam a singularidade alterada
para se mostrar. Assim a pessoa, deslocando-se por esses refúgios, ao ser ela
mesma, já é outra.
Uma estética do devaneio, ao convidar para o exercício da
ficção, oferece achados imprevisíveis. Inicialmente desconfortável nesse chão
desconhecido, o sujeito pode vivenciar insegurança, dúvida, receio. No entanto,
ao persistir as visitas por esse ambiente especulativo, pode desvendar-se em
projetos, reminiscências, criação. Assim, não é raro um transbordamento da
irrealidade no mundo real.
Nesse treino de aproximação com o inesperado, algo se
acrescenta, se perde, modifica-se ao divagar entre tudo e nada. Sua brisa leve,
ao convidar singularidades, redesenha esconderijos, onde o sujeito acorda para
seguir sonhando. Quase sempre é improvável saber ser a alma do sonhador, um
terreno onde o devaneio acontece. Num endereço habitado por infinitudes, ao
tentar descrevê-lo nos múltiplos aparecimentos, remexe a realidade conhecida,
oferecendo outras realidades.
Aprender a conviver com as lógicas da inconclusão, da
provisoriedade discursiva, do ponto final resignificado em vírgulas, pode valer
muito. Na relação com a incerteza a alma se permite rascunhar novos acontecimentos.
Aqui se cuida de encontrar algum vocabulário, alguma semiose, para contar,
traduzir, interpretar os pensamentos, as ideias, deslocamentos por onde os
inéditos se apresentam.
Pensando nos termos da filosofia clinica, uma viagem
interminável elabora seus convites. Quando traduzíveis pelos envolvidos na
interseção, encontram em seu cotidiano, uma base para as construções
compartilhadas, um chão aos ensaios, elaborações para a subjetividade alterada.
Talvez assim consiga desdobrar a irrealidade numa obra de arte singular. Seu
teor, ao roçar as dialéticas do absurdo, denuncia eventos de lógica
extraordinária.
*Hélio Strassburger
Filósofo Clínico
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